sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Grande teatro - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Os próximos dias, as longas horas pela frente e o dia de ontem do julgamento final da presidente já afastada Dilma Rousseff fazem parte de um script preestabelecido há meses, que tem um desfecho para lá de previsível: o impeachment vai passar por 60 ou 61 votos e o presidente Michel Temer passará de interino a efetivo, herdando definitivamente a maior crise da história do Brasil.

Até mesmo os gritos e o destempero de um lado e outro já eram esperados nesse grande teatro, em que os senadores Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e Fátima Bezerra, do PT, e Vanessa Grazziotin, do PCdoB, são protagonistas desde a comissão do impeachment, encerrada com 59 votos contra Dilma, quatro a mais do que os necessários. Já na estreia do julgamento final, ontem, Gleisi berrou em tom de desafio que o Senado Federal e os senadores da República “não têm moral” para cassar “a presidenta”.


“Aqui não tem ninguém com moral para julgar ninguém, muito menos para afastar uma presidenta”, julgou a senadora. “Não sou ladrão de aposentado”, rebateu Ronaldo Caiado (DEM), numa referência direta ao marido da petista, o ex-ministro Paulo Bernardo, réu por desvio do crédito consignado. A partir daí, Gleisi insinuou que Caiado, líder ruralista, pratica “trabalho escravo” e, como Lindbergh fez coro, Caiado sugeriu que ele fizesse “um exame antidoping”. Os três sacudiram o ambiente, eletrizaram os telespectadores e ameaçaram entrar com processo daqui e dali. Mas não mudaram nada, um único voto.

Como também não mudam nada as testemunhas – ou o “informante”, no caso do procurador de contas Júlio Marcelo – e o falatório de defesa e de acusação. Lá se vão nove meses, o tempo passa, o tempo voa, mas os argumentos continuam iguaizinhos. Quantos votos a defesa de Dilma conseguirá mudar? E a acusação? O ex-ministro José Eduardo Cardozo e a professora Janaina Paschoal vão ficar roucos de tanto repetir no plenário tudo o que já vêm falando nesse tempo todo na comissão e no plenário da Câmara, na comissão e na pronúncia do Senado, mas que mágica podem fazer? Quem acha que houve crime de responsabilidade vai continuar achando, quem acha que não houve, também.

A grande e real expectativa é diante da ida de Dilma ao Congresso na segunda-feira, a partir das 9h, para enfrentar os senadores – em particular seus ex-ministros –, olho no olho. Vai sair faísca e é uma situação difícil de imaginar, que exige uma personalidade de ferro e pode gerar momentos inesquecíveis. Se é que Dilma não vá desistir na última hora, já que ela não é a melhor oradora do mundo, não conclui raciocínios, se atrapalha com conceitos, coleciona frases constrangedoras.

Se for, Dilma vai investir na versão do golpe e na vitimização: “Sou uma injustiçada”, repetirá à exaustão. Concretamente, porém, não tem mais nenhuma carta na manga, depois que o PT, seu próprio partido – ou melhor, o partido de Lula – desautorizou e jogou no lixo a tese de um plebiscito para antecipar as eleições de 2018, o que seria só risível, não fosse inconstitucional.

Em sendo assim, o julgamento vai se arrastar pelos próximos dias com os mesmos personagens, mesmas falas, mesmos gestos teatrais, para chegar a um “The End” que cada um ali sabe e a população brasileira espera. Dilma volta para o ostracismo em Porto Alegre e Michel Temer herda definitivamente a crise, com o PMDB e o PSDB às turras e ameaçando o inadiável ajuste fiscal, ponto zero da recuperação da economia. Conclusão: o resultado do impeachment todo mundo já imagina, o que vem depois é que são elas.

Civilidade. Do petista José Eduardo Cardozo sobre o tucano Antonio Anastasia, o duro relator da comissão do impeachment no Senado: “Respeito o Anastasia, que é um grande quadro”. Por essas e outras, ele também é.

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