quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Mudança de lado - Miriam Leitão

- O Globo

O projeto de renegociação das dívidas dos estados mostra como o Brasil é um país complexo. O governo Dilma mandou o texto original fazendo concessões aos estados, o governo Temer ampliou as concessões. Mas ontem o PT e seus aliados estavam criticando a proposta, em plenário, com o argumento de que ela favorece os estados ricos. Mas quem começou a favorecê-los foi o PT.

Os estados mais pobres, do Norte e Nordeste, têm razão quando levantam o argumento de que eles não tiveram o mesmo benefício que os maiores. São Paulo, Minas, Rio e Rio Grande do Sul representam 80% da dívida que está sendo renegociada. Portanto, se há um benefício concedido aos devedores, quem deve menos, ganha menos. São Paulo tem 45% do total da dívida, Piauí tem zero. Esse foi o ponto desde o começo, o problema é que em 2014 o governo petista decidiu mexer na negociação que havia sido feita em 1997.

A mudança do indexador de IGP-M para IPCA e a redução dos juros foram o começo dessa renegociação. Os estados e municípios pediram para mudar o índice que reajustava a dívida e reduzir os juros, e isso representou um custo alto para o governo federal e um benefício enorme para os devedores. A cidade de São Paulo foi amplamente favorecida.

A partir daí foi preciso aprovar um projeto de lei para regulamentar a mudança. Como o governo Dilma no começo deste ano perdeu o prazo para apresentar o cálculo do valor das dívidas, os estados entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo para pagar a dívida com juros simples. Vários receberam liminares concedendo esse direito, o que elevava de forma exponencial as perdas do Tesouro.

A situação estava neste pé quando começou o governo interino de Michel Temer. O STF determinara que fosse fechada uma negociação em 60 dias. A administração provisória teve que fechar o acordo rapidamente para não perder o prazo. Achou que bastaria combinar com os devedores, escrever as condições nos contratos e mandar o PL para o Congresso.

O problema é que a Câmara é o local onde as pressões dos governadores sobre suas bancadas é forte. O governo mudou várias vezes o projeto original. Ora estabelecia condições rígidas aos estados, ora as retirava e dizia que elas não eram importantes e por fim voltou a incluí-las afirmando que eram fundamentais. Como os estados já tiveram a garantia do benefício quando assinaram os contratos, estão agora barganhando para não cumprir as contrapartidas que aceitaram. Para agravar a situação, os estados menos endividados querem uma ajuda de R$ 7 bilhões, pelo fato de que o governo federal está tendo um enorme custo com os governos mais endividados.

Em momento em que o governo federal é fraco e o assunto interessa aos estados, as bancadas se juntam para tirar mais concessões do Tesouro. É uma tendência natural. Ontem havia um detalhe a mais para complicar: como quem era governo hoje é oposição, o PT e seus apoiadores criticavam as contrapartidas exigidas que eram parecidas com as que eles mesmos haviam proposto.

Coube ao deputado Esperidião Amin revelar isso, de forma curiosa. Enquanto lia o parecer, Amin preparou uma verdadeira pegadinha. Passou a ler, ao invés do seu relatório, o texto que foi enviado pelo governo Dilma ao Congresso, que determinava como contrapartida dos estados o congelamento por dois anos das contratações de servidores. Alertado pelo deputado Pauderney Avelino, Amin disse que se confundiu, mas que isso tinha sido bom para mostrar a incoerência dos deputados petistas, que tentaram obstruir a votação:

— O texto que votamos hoje é de autoria do governo que estava em 22 de março, do governo Dilma Rousseff.

O processo político é mais complexo do que imaginam os que veem os assuntos pelo lado da economia, apenas. Tudo o que parece lógico pode perder o sentido quando tramita em plenário. E os estados se unem, ou fazem pacto entre si, quando o objetivo é tirar dinheiro do governo federal, principalmente numa crise fiscal tão grave como esta. O governo tem cedido tanto aos estados que a leitura do texto pelo deputado Esperidião Amin mostrou que o governo Dilma impunha regras mais duras durante a renegociação. O erro dela foi cutucar esse vespeiro.

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