segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Olimpíada e Congresso têm espectador cativo - Angela Bittencourt

- Valor Econômico

O Brasil estará no raio de visão de 4,5 bilhões de espectadores na próxima sexta-feira de abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro e por mais vinte dias até o encerramento dos jogos. Mas uma audiência incomparavelmente menor, menos plural e mais ruidosa já se apruma nesta segunda-feira para garantir um bom lugar e assistir a outro espetáculo que entra em cartaz amanhã: a retomada dos trabalhos no Congresso Nacional. A comemoração pela vitória do Brasil está organizada, mas para evitar o azar fica para as próximas semanas. No Rio, os atletas olímpicos e paralímpicos lançam sua sorte. Em Brasília, a estrela da vez é a emenda constitucional que limita as despesas públicas.

É dada como certa a aprovação pelo Senado, no fim do mês, do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, o que torna essa medida fiscal do governo a mais relevante no Congresso neste momento. A equipe econômica espera sua aprovação pela Câmara até novembro. Se os parlamentares optarem por um esforço concentrado em novembro e dezembro, o texto pode passar pelo crivo do Senado até o fim do ano. Se não for possível, a matéria fica para o início de 2017.

Concluir a votação da emenda do teto de gastos neste ano é o melhor cenário. Mas o governo já decidiu que, concluída ou não a votação, as programações e projeções de qualquer peça orçamentária serão calculadas como se o teto de gastos estivesse valendo. Como o governo não quer aumentar a carga tributária há o reconhecimento de que a despesa pública terá um ajuste gradual. Mas terá crescimento real zero e o nominal será a inflação.

O governo continuará perdendo receita cuja evolução está diretamente ligada ao ritmo da atividade. Neste ano, apenas a arrecadação de imposto e multa sobre a regularização de dinheiro no exterior sem o conhecimento da Receita Federal ainda poderá elevar o caixa da União.

"Estamos no embate das expectativas porque o mercado financeiro coloca nos preços dos ativos um cenário muito otimista, apostando no discurso do governo", diz Jorge Simino, diretor de Investimentos e Patrimônio da Funcesp. "Em pouco tempo, o governo comprometeu-se com o teto de gastos, a reforma da Previdência e a reforma trabalhista. É certo que haverá algum grau de desapontamento porque essas reformas são complexas. Tenho a impressão, inclusive, de que o ministro Henrique Meirelles tem procurado desidratar as expectativas em suas mais recentes declarações."

Simino calcula que talvez dê tempo de aprovar a emenda na Câmara este ano, mas alguma decisão ficará para 2017. E isso não quer dizer janeiro, mas março. "Em janeiro e fevereiro, o Congresso estará focado na disputa para a presidência das duas Casas, o que consumirá muita energia política."

Sérgio Goldenstein, ex-chefe do Departamento de Mercado Aberto do Banco Central e sócio-diretor da FLAG Asset, gestora que é um dos grandes destaques de performance no ano com rentabilidade superior a 17%, pondera que a maior fragilidade da economia brasileira em termos de fundamentos reside na grave deterioração das contas públicas. Portanto, caso não haja avanços nas medidas de ajuste fiscal e no andamento das reformas, a lua de mel do mercado com o governo Temer poderá terminar.

"Há compreensão dos impactos negativos temporários sobre a arrecadação decorrentes do ambiente recessivo. Porém, é importante que o governo mostre sua força política e aprove o teto para os gastos públicos ainda em 2016, sendo que essa é a expectativa do mercado. As dúvidas são muito maiores com relação à reforma da Previdência, que deverá o principal ponto da agenda doméstica a ser acompanhado pelos investidores em 2017", comenta Goldenstein.

Atento ao rali recente dos ativos brasileiros e confiante que haverá um próximo, Eduardo Castro, superintendente executivo de fundos de investimentos da Santander Asset Management Brasil, alerta que passado o julgamento do impeachment, o mercado mudará o foco de "precisamos ter as condições políticas e time competente para implementar as mudanças" para "vamos à execução".

O teto para os gastos terá um importantíssimo efeito simbólico, alem de estabilizar o crescimento da dívida bruta mesmo que no médio e longo prazos, avalia Castro. "A aprovação dessa emenda será encarada como a certeza de que o consenso político está alinhado para a mesma direção de reformas estruturantes e a da previdência e a trabalhista - têm chance material de implementação."

Castro acredita que a aprovação as condições finais da emenda do teto de gastos serão de extrema relevância para a avaliação positiva do Brasil. "Isso posto, a não aprovação ou uma descaracterização completa da emenda, sem sombra de dúvida, terá um impacto importante no mercado."

O executivo diz que, de forma geral, o cenário continua favorável para ativos brasileiros. Lembra que os bancos centrais ainda trabalham com políticas monetárias pouco restritivas; a relação entre Desenvolvidos-Emergentes deve continuar favorecendo as economias emergentes ainda por algum tempo; e prevalece um ambiente macro em que os BCs seguem utilizando maciçamente medidas não convencionais, como juro zero ou negativo.

O rali recente foi de preços mas há espaço para melhorar a alocação de recursos. "A alocação em emergentes, Brasil incluído, permanece historicamente baixa. O próximo rali, a depender das reformas e fundamentalmente da fiscal, trará para a mesa a discussão da possível retomada de convergência dos juros reais para níveis bem mais baixos. Juros reais estruturalmente mais baixos, contas públicas equacionadas e saudáveis, previsibilidade no ambiente de negócios, dívida bruta em proporção ao PIB estabilizada, inflação na meta, crescimento sustentado colocarão o Brasil em um patamar no qual os preços dos nossos ativos teriam muito por melhorar."

Para Goldenstein, da FLAG, o juro brasileiro está muito acima da taxa de equilíbrio. "Deveremos experimentar um forte processo desinflacionário em 2017, o que abrirá as portas para que a taxa Selic volte ao patamar de 1 dígito. Os juros reduzidos no exterior tornam o Brasil mais atraente. O risco cambial diminuiu de forma significativa, dada a redução do déficit em conta corrente e a perspectiva é de forte ingresso de divisas, puxado também por melhorias no programa de desestatização e concessões.

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