sábado, 13 de agosto de 2016

Tempos diferentes - Míriam Leitão

- O Globo

Votação do ajuste fiscal levará mais tempo do que prevê o mercado. Economistas do mercado financeiro criaram a expectativa de que já no mês de setembro será possível dar início às votações do ajuste fiscal, como a PEC do teto dos gastos. Isso é impossível pelos tempos normais de tramitação de uma emenda constitucional. Por isso foi importante o presidente interino, Michel Temer, avisar que não estamos no tempo do decreto-lei.

O mercado acha que há em setembro uma janela de oportunidade para o governo Temer, porque será após o impeachment e antes das eleições. A PEC do teto dos gastos foi aprovada pela CCJ esta semana, mas terá que se constituir uma comissão especial e terá 11 sessões deliberativas antes de ir ao plenário. Como avisou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, só será possível ir à votação depois das eleições municipais, talvez em novembro.

Há um descompasso entre o tempo do mercado financeiro e o calendário político em Brasília. A melhora das projeções para o PIB e a recuperação da confiança levaram em conta que seria aprovado um ajuste fiscal amplo e rápido. Na verdade, haverá dificuldade nas negociações, com risco de frustração de expectativas. Na entrevista ao “Valor”, Temer lembrou que são três poderes e perguntou: “As pessoas acham o quê? Que tem que fechar o Congresso? Voltar ao tempo do decretolei?” Mas como o mercado criou a falsa expectativa de que se pode aprovar tudo rapidamente, pode haver uma reversão da confiança.

O economista-chefe do banco BNP Paribas para América Latina, Marcelo Carvalho, explica que o mercado ainda enxerga o governo como interino e que neste momento não fará uma cobrança maior em resultados do ajuste. Por isso, o recuo nas contrapartidas no refinanciamento da dívida dos estados não causou grandes oscilações na bolsa e no dólar. Mas, após a efetivação em definitivo de Temer, será diferente.

— Setembro será o mês chave para se medir a força política do governo Temer. A política fiscal é o que vai determinar o corte de juros pelo Banco Central e a alta do PIB no ano que vem. O projeto do teto de gastos já passou na CCJ e é fundamental para dar certo — explicou Carvalho.

Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, também acha que os olhos dos investidores estão voltados para o mês de setembro. Ele explica que a melhora nos indicadores de confiança estão acontecendo no item “expectativa futura”, enquanto os dados sobre o momento atual das empresas e dos consumidores continuam muito fracos.

— Se o ajuste ficar para novembro, o mercado pode achar um tempo longo demais para esperar. Tudo vai depender do que virá depois do impeachment. A recuperação pode se intensificar, mas também pode ser abortada — explicou.

A agenda de votações monitorada pelos economistas é enorme. Além da PEC do teto de gastos, a reforma da Previdência e os destaques da renegociação da dívida dos estados, há o projeto que altera as regras de exploração do pré-sal; a revisão da meta fiscal de 2017; a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que ainda precisa passar pelo Senado; a reforma trabalhista. Uma lista de tarefas que o mercado espera que seja aprovada.

Marcelo Carvalho acha que os dados do PIB do terceiro trimestre podem ficar estáveis, isto é, não serem negativos. E a partir daí começar uma recuperação do PIB. Isso fará a economia entrar no ano que vem mais embalada, com um carregamento estatístico favorável. Ele estima alta de 2% da economia brasileira de 2017.

— Esse é o cenário em que o governo Temer consegue nos próximos meses aprovar as medidas do ajuste fiscal. Não é só a PEC do teto de gastos, mas também medidas que contenham os gastos com a Previdência. Sem mexer na Previdência, nenhum ajuste será sustentável — disse.

A economia continua alternando números negativos e positivos. O IBGE divulgou que o setor de serviços teve a maior queda da série histórica para meses de junho, mas caiu menos que maio. Por outro lado, em julho houve aumento da produção e do fluxo de veículos nas estradas, crescimento do consumo de energia e alta no PMI, um índice de confiança medido pelo banco HSBC. Segundo o economista Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria, os dados indicam que a indústria terá o 5º crescimento mensal consecutivo.

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