sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A eleição de 2016 irá redistribuir as cartas - César Felício

- Valor Econômico

• Dinâmica partidária muda e Temer deve ajustar equipe

Sem resultado eloquente a apresentar no Congresso, a continuidade do governo do presidente Michel Temer entra em uma zona de sombras a partir de março do próximo ano. De março em diante, segundo a leitura de um influente aliado do presidente no Senado, desaparece a sustentação que o presidente conta no mercado financeiro, no empresariado e na elite política congressual.

Poderá então se iniciar uma entropia perigosa para um governo que se assenta na legitimidade de uma eleição que está em discussão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em processo que caminha com conveniente lentidão.

Os idos de março tem sido marcantes no Brasil. Em 2014 deu-se início à Operação Lava-Jato. No ano seguinte as ruas foram tomadas pela primeira manifestação clara a favor do impeachment. Em 2016, entre tantos acontecimentos em um mês vertiginoso, a estratégia de proteção mútua entre Lula e Dilma foi fulminada pelas atuações, em instâncias diferentes, de Sergio Moro e Gilmar Mendes.

Mais que tentar reeleger-se, Temer mira na chegada a 1º de janeiro de 2019. É uma garantia do presente esquecendo o futuro, que deve aprofundar o caráter parlamentarista do governo.

A eleição de 2016 não antecipa a peleja presidencial de 2018, mas dirá muito sobre o dramático ano de 2017, segundo o jornalista Gaudêncio Torquato, assessor e amigo de Temer. O resultado que sairá das urnas de outubro irá mudar a dinâmica interna dos partidos da aliança governista, o que pode levar a um novo desenho no ministério, talvez em fevereiro, época também da escolha das novas mesas diretoras da Câmara e do Senado, e a uma nova tática para o presidente aprovar seu pacote.

Toda atenção está voltada a dois núcleos: São Paulo e Rio de Janeiro. A combinação de resultados poderá aumentar a arrogância do PSDB, ou manter viva a chama petista do "Fora Temer", ou tirar do PMDB com capacidade de exercitar a rebeldia à orientação presidencial.

Em São Paulo, o tucano João Doria, um empresário de eventos que surfa no sentimento de repulsa ao meio político, é o favorito para vencer, segundo as pesquisas, mas a forma como isso se dará, se é que o triunfo de Doria vai se confirmar, fará toda a diferença. O pior cenário para o Planalto é um segundo turno entre o tucano e o petista Fernando Haddad. Não se acredita nas chances de Haddad se reeleger, mas a sua chegada ao segundo turno manterá o PT no jogo, com quem, em um cenário de polarização, o governo não tem como disputar as ruas no momento. Há temor entre todos os aliados do presidente sobre uma repetição de junho de 2013.

João Doria é descrito por Torquato como "um amigo queridíssimo" do presidente. Razoável pensar que, se eleito, será um cimento para unir o presidente ao mais arredio dos caciques tucanos, o governador Geraldo Alckmin. Caso massacre o adversário no segundo turno, entretanto, deixará seu patrono muito poderoso, capaz de disputar dentro do PSDB a hegemonia, avançar o jogo para 2018 e colocar mais pressão sobre Temer.

Alckmin sempre foi refratário ao atual presidente. Durante muitos meses apostou na continuidade de Dilma Rousseff como melhor saída para se fortalecer na disputa interna de 2018, em um momento em que Aécio falava em eleições antecipadas e Serra já articulava o impeachment.

O governador paulista foi instado a indicar ministros para compor o governo Temer e não o fez. A escolha de Alexandre Moraes para a Justiça, uma das últimas a serem feitas para a equipe ministerial, teve como uma de suas motivações estabelecer alguma ponte. Moraes atualmente está em baixa para competir com o viaduto com quatro faixas expressas lado a lado que pode representar uma prefeitura de Doria na relação entre o governador e o presidente.

O provável triunfo de Marcelo Crivella no Rio pode ser relevante, sobretudo, pela derrota de Eduardo Paes, talvez acompanhada do insucesso de Marta Suplicy em São Paulo. Crivella é de um partido aliado de médio porte e medianas ambições. Paes é o que sobrava ao PMDB do Rio depois da derrocada do governo do Estado e da cassação de Eduardo Cunha. As eventuais vitórias em Porto Alegre e Goiânia estão longe de compensar o que significaria tal perda.

Sem o Sudeste, o PMDB fica ainda mais sob o controle do presidente, no Congresso e em 2018. Pode ser levado a inflar um factóide para não ser caudatário do PSDB, como a candidatura presidencial de Paulo Hartung. Pode ainda, em caso de sucesso administrativo, colocar a reeleição sobre a mesa, ou então abrir-se a Henrique Meirelles, ou fornecer uma plataforma para José Serra dar uma guinada em sua vida partidária. O que não vai mais existir é a possibilidade de um voo autônomo pemedebista.

Está no PSDB e no próprio PMDB a chave da governabilidade de Temer. Os demais partidos dificilmente causarão solavancos enquanto desfrutarem das sesmarias que o presidente criou na Esplanada dos Ministérios para distribuir entre seus aliados. Ao contrário do que ocorreu nos governos Dilma, Lula e mesmo Fernando Henrique, neste governo os ministros tem considerável autonomia para gerir suas áreas.

Neste contexto, o maior foco de potenciais complicações pode estar na Saúde. Ricardo Barros é muito criticado dentro e fora do Planalto, mas lá está e lá ficará enquanto tiver respaldo partidário. Com grande bancada, mas muito dividido, o equilíbrio interno no PP é frágil a ponto da eleição deste ano, não apenas nas capitais, mas nas cidades do interior, poder desequilibrar a balança. A própria filha do ministro, Maria Victoria, disputa a eleição para prefeito em Curitiba, quase na condição de figurante. A repaginação do PP pode abrir caminho para a sua substituição na pasta.

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