sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Dilma na mira - Merval Pereira

- O Globo

A prisão do ex-ministro Guido Mantega, mesmo revogada horas depois por razões que analisaremos em seguida, tem significado maior do que ela mesma. Os procuradores de Curitiba frisaram bastante o fato de que Mantega era o presidente do Conselho de Administração da Petrobras quando pediu financiamento para pagamento de dívida de campanha a Eike Batista, ligando o fato à licitação vencida por consórcio integrado pela OSX para construção de sondas para a estatal.

O mesmo ocorreu quando a então ministra Dilma Rousseff presidia o Conselho de Administração da Petrobras, e foi autorizada a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, que está sendo investigada como grande negociata que deu prejuízos bilionários à Petrobras e vantagens financeiras ao PT.

Está aberto o caminho para juntar as pontas de diversas delações que acusam a presidente cassada Dilma de ter recebido favores de empreiteiras e empresários pelo menos para financiar suas campanhas.

Nesse caso da prisão temporária do ex-ministro Guido Mantega, que acabou revogada pelo juiz Sérgio Moro em caráter humanitário, devido à cirurgia para tratamento de um câncer a que sua mulher seria submetida momentos depois que a ordem de prisão foi dada, as datas são fundamentais para encadear o desenrolar dos fatos, não apenas do ato de corrupção ativa de que Mantega é acusado, mas também da suposta “desumanidade” cometida pelos membros da Lava-Jato ao dar voz de prisão ao ex-ministro dentro de um hospital.

Para começar, o depoimento de Eike foi dado espontaneamente ao MP em Curitiba em maio deste ano, como estratégia de antecipação a possíveis ações da Lava-Jato. Queria ser testemunha, não delator. Em agosto, Moro aceitou o pedido de prisão, mas só a temporária, não provisória, como pediam os procuradores.

A operação só foi deflagrada ontem porque, entre outras razões, a PF estava dedicada à Olimpíada e à Paralimpíada. Como o procurador Jorge Fernando de Souza explicou candidamente na coletiva, só seria possível saber que a mulher de Mantega seria operada ontem se ele estivesse sendo monitorado e grampeado, para o que não havia autorização judicial. “Essa infeliz coincidência poderia ocorrer com uma pessoa pobre, da mesma maneira”, lamentou o procurador.

A alegada “monstruosidade” contra a família Mantega é parte da politização com que o PT e seus acólitos, sobretudo blogueiros, tentam combater a Lava-Jato. Mantega é um samurai, definiu certa vez um amigo íntimo para dizer que o ex-ministro absorve os golpes com altivez e segue a vida.

Assim como não reagiu indignado com a ação da PF, nem mesmo tentou impedila através do seu advogado, Mantega continuou trabalhando normalmente mesmo quando teve a notícia, em dezembro de 2011, de que sua mulher tinha um câncer.

Houve boatos de que ele até mesmo deixaria a Fazenda, mas isso só ocorreu em janeiro de 2015. Tendo assumido a Fazenda a 27 de março de 2006, ainda no governo Lula, Mantega tornou-se o mais longevo ministro da Fazenda, superando a marca de Pedro Malan, na pasta de 1º de janeiro de 1995 até 1º de janeiro de 2003, no governo FH. Bater essa meta era uma de suas obsessões, e sabe-se agora que ele continuou atuando em suas funções, oficiais e oficiosas, integralmente, pois foi em 2012 a reunião com Eike em que ele é acusado de ter feito o pedido de financiamento de dívida de campanha de 2010.

A agenda oficial daquele dia 1º de novembro de 2012 confirma que ele esteve com Eike Batista em seu gabinete, embora tenha querido negar esse encontro. E mais: duas horas antes, ele despachara com a própria presidente Dilma no Planalto. E, mesmo depois de ter quebrado o recorde de Malan, ele se manteve firme no cargo, como bom samurai, virtualmente demitido por Dilma em uma declaração de debate eleitoral em que deu a entender que, reeleita, Mantega não continuaria.

Foi em 7 de setembro de 2014, quando Dilma disse: “Governo novo, equipe nova”. Vê-se, portanto, que Mantega é antes de tudo um estoico. Mas Moro, diante de acusações de que seria um monstro de insensibilidade, preferiu abrir mão da lei e adotou uma medida humanitária e política, que pode ser considerada tão ilegal quanto a prisão temporária que decretou sem que houvesse reais motivos para tal, já que foi revogada horas depois.

No despacho em que revogou a prisão, Moro diz que nem ele, nem a procuradoria e a PF sabiam que “o ex-ministro acompanhava o cônjuge acometido de doença grave em cirurgia”. Revogou a ordem de prisão temporária, “sem prejuízo de providências posteriores”. O que indica que este caso ainda não terminou.

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