terça-feira, 27 de setembro de 2016

Exibição infeliz – Editorial / Folha de S. Paulo

No domingo (25), sem que houvessem lhe perguntado a respeito, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, resolveu desfilar seus conhecimentos sobre os próximos passos da Operação Lava Jato.

"Quinta teve uma [etapa], sexta teve outra, nesta semana vai ter mais. Podem ficar tranquilos",afirmou o ministro em conversa com integrantes do Movimento Brasil Limpo, que organizou atos pelo impeachment da petista Dilma Rousseff. Em seguida, arrematou, sorridente: "Quando vocês virem esta semana vão se lembrar de mim".

Chefe da Polícia Federal e ex-secretário da Segurança Pública no governo Geraldo Alckmin (PSDB), Moraes, como noticiou o jornal "O Estado de S. Paulo", participava da campanha do deputado federal Duarte Nogueira (PSDB), candidato a prefeito de Ribeirão Preto (SP).

Mais tarde, percebendo o quanto havia de indevido na declaração, a assessoria do Ministério da Justiça tentou reinterpretá-la. Sustentou que se tratava de força de expressão, um simples apoio às investigações; acrescentou que Moraes não dispunha de informação privilegiada nem sabia de alguma operação com antecedência.

A explicação, obviamente, não convenceu; ainda pior, caiu no ridículo menos de 12 horas depois. Eis que, na manhã desta segunda-feira (26), a Polícia Federal deflagrou a 35ª fase da Lava Jato.

A situação já se mostrava suficientemente bizarra, mas havia mais. Entre os presos estava Antonio Palocci (PT), ex-ministro da Casa Civil (na gestão Dilma) e da Fazenda (com Lula), acusado de receber propina da Odebrecht.

Haja "força de expressão": Palocci foi duas vezes prefeito de Ribeirão Preto, cidade em que nasceu e onde construiu sua base política.

As circunstâncias preocupam porque sugerem, na hipótese mais benigna, enorme descuido do ministro da Justiça; na mais grave, o uso político de informações que a rigor nem deveria ter em mãos.

Daí não se conclui necessariamente que o governo Michel Temer (PMDB) controle as operações da PF. Ganham alguma verossimilhança, contudo, as suspeitas que se levantam diante da sincronia da Lava Jato com o ritmo das conveniências partidárias.

Os 20 dias que antecedem as disputas municipais foram marcados pelaapresentação de Lula como comandante máximo da organização criminosa do petrolão, pela detenção (e soltura) do ex-ministro Guido Mantega e, agora, pela prisão de Palocci —na última data em que isso seria possível antes do pleito, segundo a lei eleitoral.

A exibição infeliz de Alexandre de Moraes torna necessária certa dose de boa vontade para enxergar mera coincidência nesse roteiro.

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