domingo, 11 de setembro de 2016

No meio do atoleiro, fora do debate dos gringos - Rolf Kuntz

- O Estado de S. Paulo

Só os muito otimistas podem ver alguma boa notícia nos últimos números da inflação, ou até um sinal verde para um primeiro corte de juros. Além de entravar o crescimento econômico, financiamento muito caro dificulta a arrumação das contas de governo e atrapalha, de modo especial, o controle da dívida pública. Mas um corte precipitado pode ser desastroso, como se viu entre os meses finais de 2011 e o fim de abril de 2013, quando a política frouxa, ao gosto da presidente Dilma Rousseff, abriu enorme espaço para o avanço da inflação.

Para iniciar o corte, facilitar a expansão do crédito e começar a diminuir o custo do capital, o Comitê de Política Monetária (Copom) apontou três condições indispensáveis. Nenhuma é visível neste momento, apesar do recuo, no varejo, do custo da alimentação. Se quiserem afrouxar a política na próxima reunião, os membros do comitê, formado por diretores do Banco Central (BC), terão de apresentar uma explicação digna de citação em manuais – exceto, é claro, se fatos muito surpreendentes ocorrerem até lá. O próximo encontro para deliberação está marcado para os dias 18 e 19 de outubro.

A inflação mensal caiu de 0,52% para 0,44% de julho para agosto, segundo a última apuração do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esse é o número usado como referência para políticas oficiais. Mas ninguém deve levar muito a sério esse recuo de curtíssimo prazo. A alta de preços no mês passado foi a maior em um mês de agosto desde 2007, quando chegou a 0,47%. A variação acumulada em 2016 bateu em 5,42%. O resultado em 12 meses subiu de 8,74% para 8,97%. O número final deste ano poderá confirmar as previsões do mercado e do próprio governo, ficando pouco acima de 7%. Mas os sinais de arrefecimento e de convergência para a meta oficial de 4,5% em 2017 ainda são frágeis.

Os otimistas poderão entusiasmar-se também com a alta menor dos preços de alimentos e bebidas: a taxa passou de 1,32% em julho para 0,30% em agosto. Um firme recuo desse componente é uma das condições indicadas pelos membros do Copom para o início do corte de juros. Mas a acomodação continua incerta. Depois de uma queda de 2,01% em julho, os preços de produtos agropecuários subiram em agosto 0,88% no atacado. Será preciso algum tempo para saber se esses preços – com alta de 15,58% no ano e de 27,74% em 12 meses – poderão evoluir de modo mais favorável ao consumidor.

Mas a inflação nas feiras e nos supermercados é só uma parte do problema. Mais que isso: com o aumento menor do custo da alimentação, a gravidade do quadro geral fica mais visível. Cinco dos nove grandes componentes do IPCA subiram mais que no mês anterior.

Esse foi o caso de três importantes itens formados principalmente de serviços – saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais e educação, com variações de 0,80%, 0,96% e 0,99%. Esse é um forte sinal do peso da indexação e – apesar da crise – das condições de demanda ainda favoráveis à elevação dos preços finais. Os juros altos têm contido em parte a propagação dos aumentos de custos, mas ainda de forma insuficiente para derrubar a inflação até níveis mais toleráveis.

O recuo das tarifas de energia elétrica e de outros preços monitorados também contribuiu para a melhora do índice geral, assim como o bom comportamento do câmbio. Qualquer alteração nesses itens poderá complicar o quadro nos próximos meses. O valor do dólar é um item especialmente delicado. O câmbio pode ser afetado tanto por fatores internos, como o maior ou menor apoio político aos ajustes e reformas, quanto externos, como as políticas monetárias das principais potências.

Uma alta dos juros americanos poderá mexer nos fluxos de capitais e no valor do dólar. Ninguém pode dizer com segurança a data do novo aperto monetário nos Estados Unidos, mas cada notícia positiva sobre a economia americana torna mais próximo esse evento. O efeito em países com baixa inflação deverá ser muito limitado. O caso do Brasil é outro.

Não há como apostar, ainda por algum tempo, numa “desinflação em velocidade adequada”. Essa é outra condição indicada na ata da última reunião do Copom como necessária a um corte de juros. Se existirem, continuam para lá do horizonte quaisquer sinais dessa mudança na evolução dos preços. Acreditar na existência desses indícios é por enquanto uma demonstração de esperança ou de crença no poder do pensamento positivo.

A terceira condição é a menor incerteza quanto à aprovação e implementação dos ajustes. Isso inclui “a composição das medidas de ajuste fiscal” e seus impactos sobre a inflação. Esse é o item mais complicado, neste momento. O governo mandou ao Congresso uma proposta de orçamento para 2017 com déficit primário (sem juros) de R$ 139 bilhões.

Esse resultado dependerá de um crescimento econômico de 1,6%, de uma receita importante de concessões na área de infraestrutura e de um forte controle da despesa. Nada garante, por enquanto, as condições políticas necessárias à produção desse resultado. A proposta de criação de um teto para a despesa continua em tramitação. Além disso, políticos da base defendem o adiamento – para depois das eleições – do debate sobre a reforma da Previdência. O presidente Michel Temer tem pela frente um difícil e incontornável teste político. Mesmo com algum sucesso, haverá segurança muito maior, até o fim do ano, quanto às ações de ajuste?

Economistas de governos, de entidades multilaterais e do setor privado têm defendido novas políticas de crescimento, com maior ênfase em facilidades fiscais e menor dependência de incentivos monetários. Os bancos centrais, argumentam, já fizeram o possível.

Os brasileiros estão longe desse debate, coisa de gringo. Aqui, o BC deve cuidar da inflação ainda alta, e um novo afrouxamento fiscal equivaleria a explodir o Tesouro. O Brasil continua fora do jogo de recuperação da economia global.

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Jornalista

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