quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O começo do fim ou o fim do começo - Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

• Fracasso da PEC dos gastos selaria fim do governo Temer

O PSDB está condenado a apoiar o presidente Michel Temer. Se o governo for mal, o eleitor terá dificuldade em entender o protagonismo dos tucanos no impeachment.

Mais fiscalista dos senadores tucanos, Ricardo Ferraço chegou a dizer que o governo Temer promovia uma 'marcha da insensatez' por ter apoiado a aprovação de um pacote de reajustes para categorias do funcionalismo equivalente a um ano de investimentos do PAC.

Passados dois meses, o senador capixaba resolveu colocar todas as suas fichas no governo depois que Temer afirmou, em letras garrafais, sua rejeição ao reajuste do teto do Supremo Tribunal Federal, projeto com efeito cascata e capaz de levar à quebradeira de Estados já falimentares.

Parlamentar algum enfrenta o desgaste de apoiar aumento para a casta do funcionalismo se não tiver um governo nas costas do qual possa colocar a responsabilidade pela decisão. Como o Planalto recuou, ao Congresso restou segui-lo, sob o risco de pagar sozinho o desgaste em tempos de eleições e manifestações.

O PSDB não tem outra alternativa a não ser apoiar o governo Temer, mas não o fará a qualquer preço. Quer ver o PMDB, que sempre foi garupa, assumir as rédeas do ajuste fiscal. Autor do relatório que recomendou a rejeição do reajuste do teto, Ferraço foi bombardeado pelo voto em separado do ex-presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), em defesa do aumento. Naqueles dias lhe chegou às mãos planilha com os salários de procuradores da República que registrava piso de R$ 70 mil.

Para que o rechaço de Temer ao projeto indique os novos rumos do governo na direção do ajuste, o senador aguarda os próximos sinais do presidente da Casa. Depois de passar os últimos meses cozinhando o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, notório defensor do reajuste, em banho-maria, Renan Calheiros recuou do projeto depois de o presidente da República tomar posição.

Com a posse da ministra Carmen Lúcia na cadeira de Lewandowski, presidentes do Executivo e do Judiciário convergiram na mesma direção, deixando pouca margem ao comando do Legislativo senão aderir à onda do ajuste.

No embate com o ex-deputado Eduardo Cunha, Renan já explicou que não faz por onde colher tempestades. Prefere engarrafar o vento para soltá-lo à sua conveniência. Não há dúvida de que já engavetou o reajuste, hoje transformado num projeto que aparta o teto do Supremo das demais carreiras da magistratura.

O projeto de desvinculação, de autoria da senadora Gleisi Hoffmann (PT), reafirma o que está na Lei de Responsabilidade Fiscal. Insurge-se contra limitar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que desobrigou o aval das Assembleias Legislativas para que o teto do Supremo se esparrame em cascata sobre a magistratura nos Estados.

Ferraço apoia o projeto petista, sob a ressalva de que a desvinculação não se transforme em licença para um reajuste solteiro dos vencimentos dos ministros da Corte suprema. É este o risco do projeto a ser sufragado numa Casa de potenciais réus.

A despeito de a voracidade dos discursos registrados na posse de Carmen Lúcia indicar indiferença dos ministros a afagos do Legislativo, a aprovação do projeto atende, parcialmente, à pauta de Ricardo Lewandowski, cuja atuação foi fundamental à manutenção dos direitos políticos da presidente Dilma Rousseff.

Se a novela do funcionalismo já está nos seus capítulos finais, a proposta de emenda constitucional que limita os gastos públicos à inflação, mal estreou. Ferraço tira da algibeira a evolução da fatia setor público na riqueza nacional - passou de 10% no início do milênio para 20% - para fazer uma afirmação taxativa sobre o destino do governo Temer: vai acabar sem a PEC dos gastos.

À gravidade da constatação, segue-se a rendição. Renan Calheiros ainda não demonstrou, em relação à PEC, o mesmo compromisso exibido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O que leva o senador capixaba à segunda declaração definitiva em quase três horas de conversa: Renan está com a faca e o queijo nas mãos e tem que cuidar para não cortar o dedo. A PEC tem que passar inteira. Não pode virar o escoadouro de excepcionalidades nas mãos do engarrafador de ventos.

A chance de o Legislativo se deixar tolher pela cartilha do ajuste será proporcional à capacidade de o Executivo demonstrar igual determinação em relação às benesses pelas quais empresários se enfileiram na antessala do ministro Henrique Meirelles.
O senador capixaba aguarda, por exemplo, o termos da remuneração do financiamento do programa de investimentos em infraestrutura. Se se provar que o Tesouro vai continuar a bancar juros subsidiados no BNDES, reduzem-se as chances de o Executivo ser bem sucedido no discurso da austeridade.

Terá ainda que superar o delicado capítulo dos conflitos federativos gerados pela demanda dos Estados do Norte e Nordeste em receber, da União, o mesmo atestado de calamidade pública que possibilitou ao Rio, às vésperas da Olimpíada, ganhar tempo com seus credores.

A despeito das pressões sobre o Executivo, a decisão do PSDB de redobrar as apostas no governo Temer parte do pressuposto de que o partido já esgotou a cota de erros da temporada. Errou em se deixar encurralar pelo discurso eleitoral do PT em 2014 e em rejeitar o fator previdenciário.

Mitigar o apoio a este governo sob o temor de que o sucesso levaria o PMDB a não desgarrar do poder é, na opinião de Ferraço, contratar o terceiro erro do biênio. Temer não tem o tempo de que Itamar Franco dispôs para produzir um novo Plano Real. No máximo, será capaz de reduzir a dívida bruta para baixar o juro, reduzir o risco, atrair capital e colocar o pescoço acima da linha d'água.

Além disso, ao contrário de Itamar, Temer enfrenta uma oposição que arregimenta ruas e não deixará o PMDB em situação confortável para 2018. E quem estará? Aliado de Aécio Neves, o senador capixaba não despreza o poder de arregimentação do PT que, além de ocupar a tribuna sem contestação à altura, tem sido capaz de levar gente à rua, sob quadra desfavorável ao partido no Judiciário, para mostrar que, ao contrário de Temer, tem torcida.

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