quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Um fenômeno que pode ajudar o governo - Ribamar Oliveira

- Valor Econômico

• Deflator maior que o IPCA reduz gasto em relação ao PIB

A estimativa de aumento de 10% da receita com tributos federais em 2017, que consta da proposta orçamentária enviada na semana passada pelo governo ao Congresso Nacional, foi feita com base em duas premissas principais, de acordo com fontes da área econômica.

A primeira é que, com a retomada da economia, a arrecadação vai crescer em velocidade um pouco maior do que a expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Na linguagem técnica, a elasticidade da receita em relação ao PIB será um pouco maior do que um.

A segunda premissa é que o indicador que medirá a variação média dos preços da economia no próximo ano, em relação aos preços deste ano, que é conhecido na área técnica como deflator implícito do PIB, será maior do que a variação dos preços mensurada pelo IPCA, que é o índice oficial de inflação. Em resumo, o deflator implícito do PIB será maior do que o IPCA médio do ano.

Há intenso debate sendo travado no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) sobre o descasamento que se verifica entre o deflator do PIB e o IPCA. Na série histórica dos últimos 20 anos, em apenas 3 anos o deflator ficou abaixo do índice oficial de inflação - em 2000, 2003 e 2015, sendo que, neste último, a estimativa é preliminar.

Os economistas do Ibre sabem que existe a diferença, mas, até agora, não conseguiram identificar as razões do fenômeno. E nem mesmo conseguem dizer se ele continuará a ser registrado daqui para frente ou qual será a sua intensidade no futuro. Há diferenças metodológicas significativas entre o deflator do PIB e o IPCA. Esse último cobre somente o consumo familiar. O PIB considera a variação de todos os preços de bens e serviços da economia, incluindo a administração pública.

Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador associado do Ibre, fez uma série de expurgos no deflator, na tentativa de aproximá-lo da metodologia do IPCA. Ele excluiu o aluguel imputado e a administração pública do cálculo. Mesmo assim, o deflator continuou correndo acima do IPCA. Borges concluiu ainda que a variação dos termos de troca não explica o descasamento, embora períodos de alta dos termos de troca pareçam estar associados a elevações dessa divergência.

Essa questão é relevante para as finanças públicas, observa Borges, pois o deflator é mais importante que o IPCA para a dinâmica "contábil" da relação dívida/PIB, para a arrecadação tributária e para o resultado primário. Para a dinâmica da dívida, o juro real que é mais relevante é o deflacionado pelo deflator do PIB e não pelo IPCA.

O economista destaca também que cerca de 61% da arrecadação primária está mais ligada ao deflator, como é o caso dos impostos indiretos e do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), com 34% mais associados ao IPCA, no caso do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e da contribuição à Previdência. O restante (patrimônio e outros) é indefinido. Assim, se a economia estiver crescendo e o deflator ficar acima do IPCA, o crescimento real da arrecadação dos tributos poderá ser expressivo, principalmente se a elasticidade da receita for maior que um, como supõe o governo.

Do lado da despesa primária, Borges informa que cerca de 60% estão claramente associados ao IPCA/INPC (como é o caso do pagamento de pessoal, dos benefícios previdenciários e assistenciais), quase 20% atrelados à própria arrecadação, que em parte depende do IPCA (saúde e educação) e o restante é discricionário. "Assim, divergências positivas entre o deflator do PIB e o IPCA tendem a favorecer o resultado primário ao longo do tempo", conclui.

Caso a proposta de emenda constitucional que fixa um teto para o gasto da União seja aprovada pelo Congresso, a despesa total de um determinado ano seria a mesma registrada no ano anterior, corrigida pelo IPCA. Se o deflator implícito do PIB estiver correndo acima do IPCA, o gasto total irá, portanto, cair mais fortemente em proporção do PIB.

O economista da LCA estimou que o deflator está correndo cerca de 1,5 ponto percentual ao ano acima do IPCA. Se essa diferença se confirmar nos próximos anos, e se o Congresso aprovar a PEC do teto para o gasto, as simulações feitas por Borges mostram que a despesa primária da União passaria de quase 20% do PIB em 2016 para cerca de 15% do PIB em 2025 e para 10% em 2036, que é o último ano do novo regime fiscal.

As simulações apontam igualmente uma forte queda da relação dívida/PIB. Com a aprovação do teto e com o deflator correndo 1,5 ponto percentual acima do IPCA, a dívida aumentaria para pouco mais de 80% do PIB em 2019, passando a cair a partir do ano seguinte, chegando a 40% do PIB em 2029 e para 20% em 2031. Ela seria zerada em 2033.

Borges elaborou outros cenários. Se o governo não conseguisse aprovar o teto para o gasto, mas alterasse a legislação para que o salário mínimo seja reajustado apenas pelo IPCA a partir de 2020 e reduzisse, até 2019, o gasto tributário (desonerações) para a média dos anos 2009-2011, as simulações mostram que a dívida se estabilizaria abaixo de 90% do PIB a partir de 2024 e passaria a cair por volta de 2028, ficando abaixo de 80% do PIB por volta de 2033, desde que o deflator do PIB continuasse a rodar 1,5 ponto percentual acima do IPCA.

A projeção da receita tributária feita pelo governo para 2017 levou em conta que o deflator do PIB será maior do que o IPCA, em algo como dois pontos percentuais, de acordo com fontes oficiais. Uma questão, no entanto, precisa ser considerada. Nota técnica feita pelo economista Livio Ribeiro, também pesquisador do Ibre, sugere que houve "uma quebra estrutural na relação entre o desempenho da arrecadação e o crescimento da economia" em algum momento entre a eclosão da crise financeira de 2008 e o início do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2011.

Antes da crise, a receita cresceu bem acima da expansão da economia; nos anos posteriores à crise, o ritmo arrefeceu e hoje a elasticidade da receita estaria abaixo de um, segundo Ribeiro. Pode ocorrer um "pico" na arrecadação em 2017? Ele acha que sim. Mas o economista diz que ninguém mais acredita que, como tendência, a elasticidade da receita seja hoje maior que um.

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