quarta-feira, 12 de outubro de 2016

BNDES suspende repasses a empreiteiras

BNDES suspende US$ 4,7 bilhões a empreiteiras com obras no exterior

• Banco decidiu reavaliar 25 contratos de empresas investigadas na Lava-Jato e pode cancelar em definitivo as operações

Danielle Nogueira - O Globo

O BNDES suspendeu US$ 4,7 bilhões em financiamentos a obras no exterior de cinco empreiteiras investigadas pela Lava-Jato. O BNDES suspendeu US$ 4,7 bilhões em desembolsos de contratos com empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato que tinham financiamento de obras no exterior. A cifra abarca um total de 25 contratos com cinco construtoras, entre elas Odebrecht e Andrade Gutierrez, e nove países, como Angola, Cuba e Venezuela.

O financiamento do BNDES a projetos de infraestrutura no exterior tem sido alvo de polêmica, com suspeitas de superfaturamento e favorecimento a empresas. O Ministério Público Federal, por exemplo, investiga se o então presidente Lula exerceu tráfico de influência em obras da Odebrecht em Angola. E o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci foi preso no âmbito da Lava-Jato por suspeita de, entre outras irregularidades, ter atuado para elevar linha de crédito do BNDES para o país africano.

A decisão do banco de suspender as liberações para os 25 projetos foi tomada em maio, na gestão do ex-presidente Luciano Coutinho, mas foi anunciada apenas ontem. Segundo o diretor da área de Comércio Exterior, Ricardo Ramos, a medida foi tomada após a Advocacia Geral da União (AGU) ter entrado com ação civil pública de improbidade administrativa contra construtoras investigadas pela Polícia Federal.

O BNDES fez uma consulta à AGU sobre a possibilidade de continuidade dos empréstimos, uma vez que é controlado pela União. A AGU, então, recomendou que o banco de fomento reanalisasse o crédito. Diante disso, o banco suspendeu as liberações para melhor avaliar os projetos.

Segundo Ramos, há possibilidade de alguns contratos serem cancelados. A análise será feita individualmente, e não há prazo para sua conclusão. Os 25 contratos somam US$ 7 bilhões, dos quais US$ 2,3 bilhões já foram desembolsados. Além de Odebrecht e Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa também foram afetadas pela decisão.

Entre os projetos com liberações suspensas está o da térmica a carvão Punta Catalina, na República Dominicana, de responsabilidade da Construtora Norberto Odebrecht. O crédito, de US$ 656 milhões, foi contratado em março de 2015, quando a Lava-Jato já estava em curso. Outro que teve os desembolsos interrompidos foi o projeto de um aqueduto na Argentina, que vinha sendo executado pela OAS, com financiamento de US$ 165 milhões. O financiamento ao Porto de Mariel, em Cuba, não foi afetado porque os desembolsos já foram concluídos.

— O apoio do BNDES a esses contratos poderá ser modificado, alguns poderão ser rejeitados — disse Ramos. — É uma negociação dura. É da vida. Dado o problema, a gente vai sentar e conversar para chegar ao melhor termo.

Três critérios serão avaliados para a retomada ou não do crédito: o avanço físico da obra, se o projeto tem outras fontes já equacionadas de financiamento e a exposição do BNDES ao risco do crédito. Além disso, as empreiteiras terão de firmar um termo de compliance, dizendo que o empréstimo correu dentro da lei. Se for provado que houve alguma irregularidade no projeto, a empresa está sujeita a multa, vencimento antecipado ou mesmo à devolução do valor já desembolsado.

NOVAS REGRAS PARA FUTUROS PROJETOS
Os financiamentos a obras no exterior são operações aprovadas dentro da modalidade de crédito pós-embarque, em que se financiam exportações de bens e serviços. O crédito é tomado pelo país que abriga o projeto, e, à medida que a obra vai sendo executada, o BNDES vai liberando recursos em reais para a empreiteira.

Além das suspeitas de favorecimento a construtoras, essa linha ficou sob fogo cruzado em razão de questionamentos de diferentes setores da sociedade sobre os ganhos para o país de se viabilizar a exportação de serviços de engenharia. Devido a essas críticas e a recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU), o BNDES também decidiu mudar as regras para liberação de financiamentos futuros.

A partir de agora, o banco fará uma avaliação global do projeto e não apenas da parcela que vai receber crédito do BNDES. A ideia é avaliar melhor a viabilidade e os custos da obra. Como o BNDES só financia empresas brasileiras, muitas vezes o banco só dá crédito a uma parte pequena do empreendimento.

Além disso, o BNDES vai monitorar a obra para saber se o número de empregos criados corresponde ao que estava previsto, por exemplo. Hoje, não há esse monitoramento. Haverá ainda uma avaliação dos aspectos socioambientais, e as empresas terão também de assinar um termo de compliance.

As mudanças foram aprovadas pela diretoria semana passada e passam a valer para todos os projetos que estão em análise no banco. Hoje, há 22 projetos no BNDES, que somam pedidos de US$ 6,5 bilhões em crédito e que terão de se enquadrar nas novas regras.

— Até agora, a geração de divisas para o país a partir do financiamento era um fator crucial na determinação de sua aprovação. O que está em curso é uma mudança de visão. Em vez de encarar a exportação de serviços como um bem per si, vamos ter uma visão mais geral do projeto, qual o seu impacto na cadeia produtiva nacional — afirmou Ramos. — A mudança é uma resposta à sociedade.

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