sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Nem sangue nem escalpos - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

• No confronto entre poderes, Teori mostra que todos têm razão e ninguém tem razão

Balanço da crise entre poderes: como bem disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, todos os três demonstraram orgulhosamente sua independência, agora falta demonstrar também a harmonia entre eles, como determina a Constituição. Renan Calheiros deu o grito de guerra para defender o Legislativo. Cármen Lúcia reagiu na base do “mexeu com o Judiciário, mexeu comigo”. Michel Temer não desautorizou nem o Ministério da Justiça nem a Polícia Federal.

Passada uma semana, parece claro que nenhum poder está totalmente certo nem totalmente errado, e o que paira sobre todo o mal-estar é a Lava Jato: o Judiciário investiga e julga, o Legislativo e o Executivo são investigados e logo serão julgados e a sociedade quer sangue e o escalpo de Renan, presidente do Senado, segundo na linha sucessória da Presidência da República e alvo de 11 inquéritos.

Só que... não se fazem justiça e democracia com sangue nem com escalpos. A opinião pública achou o maior barato o juiz Vallisney de Souza Oliveira autorizar e a PF executar a prisão do diretor e três agentes da Polícia Legislativa suspeitos de prejudicar investigações da Lava Jato contra senadores e um ex-senador. Mas, desde o início, houve dúvidas no Legislativo, no Executivo e também no próprio Supremo sobre a legalidade da operação, chamada de Métis. A dúvida é razoável: se os senadores têm foro privilegiado, a competência para agir no Senado é do Supremo, não da primeira instância.

A avaliação é de que Renan errou feio na forma, ao chamar juiz de “juizeco”, o ministro da Justiça de “chefete de polícia” e a ação de “fascista”, mas não errou no conteúdo, ao reclamar do excesso da primeira instância contra um outro poder. A seu estilo, Rodrigo Maia também defendeu a independência do Legislativo. E quem revisitar o discurso de Cármen Lúcia dando um chega pra lá em Renan vai ver que ela, ali, já deixava uma janela aberta para o questionamento da Operação Métis.

Ao condenar a agressão a um juiz, qualquer que seja, ela ressalvou que juízes “são humanos e sujeitos a erros” e indicou o caminho ao Senado: “o Brasil é pródigo em leis que garantem que qualquer pessoa questione pelos meios recursais próprios”. Foi exatamente isso que Renan acabou fazendo quando entrou com ações no Supremo pedindo a suspensão da operação e a devolução dos equipamentos da Polícia Legislativa apreendidos pela Federal.

Além do risco de se tornar réu e até de perder o cargo no julgamento do Supremo semana que vem (presidentes da República não podem responder a ações penais e ele é o segundo na linha sucessória), o que também mexe com os nervos de aço de Renan é a perícia da PF nas tais “maletas” da Polícia Legislativa, capazes de, além detectar grampos, fazer grampos. Rastreadas pelos peritos federais, elas podem revelar segredos do arco da velha sobre a “polícia do Renan”.

A liminar de ontem do ministro Teori Zavascki funciona como freio de arrumação. Não entra no mérito sobre quem extrapolou – a PF, a Polícia Legislativa ou ambas –, mas questiona se houve “usurpação ou não de competência” pelo juiz Vallisney e “a legitimidade ou não dos atos praticados”. Ou seja, até pode haver ação contra a polícia da Câmara e do Senado, mas talvez só por ordem do Supremo, até porque a ação da PF não era contra senadores, mas aparentemente era essa a intenção.

Suspensa a guerra entre poderes, hoje tem reunião sobre segurança pública com Temer, Cármen Lúcia, Renan, Maia, Moraes – ou seja, todos os principais personagens da “crise” –, além do ministro da Defesa, os três comandantes militares, o diretor da PF o chefe do Gabinete Institucional. Ainda bem que será no Itamaraty, porque todos terão de ser muito diplomáticos – ou hipócritas.

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