sábado, 8 de outubro de 2016

O não-voto é preocupante – Editorial / O Estado de S. Paulo

Os números são preocupantes. Cerca de 25 milhões de cidadãos brasileiros aptos a irem às urnas deixaram de votar nos candidatos a prefeito e vereador no primeiro turno das eleições municipais, seja por não terem comparecido às secções eleitorais, apesar da obrigatoriedade do voto – o que configura abstenção –, seja por terem votado em branco ou, principalmente, anulado o voto. Em São Paulo, por exemplo, a abstenção de 1,94 milhão dos 8,8 milhões de eleitores registrados, somada aos 367,5 mil votos em branco e 788 mil nulos, resultou em quase 3,1 milhões de não-votos, praticamente o mesmo número de sufrágios que elegeu João Doria.

Em cinco das capitais, onde de modo geral a ausência dos eleitores foi mais expressiva, a soma aos votos brancos e nulos ultrapassou os 21%. O índice mais alto foi registrado no Rio de Janeiro, 24,28%, seguido por Porto Alegre, 22,51%; São Paulo, 21,84%; Belo Horizonte, 21,66%; e Salvador, 21,25%. A capital paulista, porém, encabeça a lista dos não-votos em números absolutos.

O fenômeno da abstenção somado aos votos brancos e nulos é um indício claro da insatisfação e da falta de confiança dos brasileiros nos governantes e na chamada classe política. Há dois fatores aparentemente predominantes na criação desse estado de espírito: o desencanto e a desilusão com um partido cujo grande líder, Lula, chegou a ter um índice de aprovação popular superior a 80% no momento em que deixou a Presidência da República e a indignação e o desalento diante da revelação da corrupção generalizada na gestão da coisa pública, cujas investigações não têm poupado figuras relevantes de praticamente nenhuma legenda partidária.

A decepção com o desastre econômico provocado pela soberba, pelo sectarismo ideológico e pela incompetência política e administrativa do governo Dilma Rousseff foi claramente manifestada pelos brasileiros com a fragorosa derrota imposta ao PT. Durante os dois mandatos de Lula, uma conjuntura econômica internacional favorável havia abastecido os cofres públicos com recursos suficientes para financiar uma gastança populista que se tornou insustentável quando a “nova matriz econômica” sentiu-se, irresponsavelmente, capaz de moldar à sua feição o mercado interno e desdenhar do externo. Foi o começo do fim da ilusão do paraíso lulopetista, que Dilma Rousseff se encarregou de acelerar com sua inacreditável inabilidade política e incapacidade gerencial.

O descrédito em relação à política e aos políticos, portanto, pode ser debitado ao vexame da aventura populista do lulopetismo, mas também à descoberta, propiciada pela Operação Lava Jato e congêneres, de que os autoproclamados pais da Pátria chefiavam uma quadrilha que se locupletava com dinheiro público.

O PT havia se tornado eleitoralmente competitivo com a insistente promessa, repetida ao longo de seus primeiros 20 anos de existência, de passar o País a limpo e livrá-lo de tudo de errado que faziam “eles”, os não petistas. No momento em que as investigações policiais demonstraram que o rei estava nu, que até os “paladinos das causas populares” metiam a mão no dinheiro do povo exatamente como as velhas raposas às quais se haviam aliado, é natural que muitas pessoas de boa-fé, desiludidas, tenham optado por esquecer que os políticos existem, preferindo cuidar apenas da própria vida, como se fosse possível haver vida em comunidade sem política. Esse é mais um desserviço prestado ao País pelos petistas, que no fundo só valorizam o exercício de liberdades democráticas – como votar e se manifestar nas ruas – por parte de cidadãos “confiáveis”, aqueles que a nomenklatura partidária consegue manter sob controle por meio de entidades e organizações sociais dependentes do Estado.

A alarmante incidência do não-voto neste primeiro turno do pleito municipal deve ser interpretada como uma advertência aos políticos brasileiros, como declarou o presidente Michel Temer: “A abstenção foi muito significativa. Portanto, é um recado que se dá à classe política brasileira para que reformule eventuais costumes inadequados”. Com longa experiência na política, Temer sabe do que está falando. Como chefe do governo, cabe-lhe a responsabilidade de um papel importante na identificação e correção de “costumes inadequados”.

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