quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Indignação seletiva – Ranier Bragon

-Folha de S. Paulo

"A legislação que protege a magistratura é tão complicada, tão cheia de meandros, tapumes, biombos, tudo é tão escondido, tão sigiloso, que os bandidos terminam encontrando na toga um grande esconderijo."

A frase é da ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça Eliana Calmon, dada à reportagem "Quem julga o juiz?", da Agência Pública.

Exclua-se a retórica. Considerem-se apenas os números. O CNJ puniu até hoje 75 magistrados, uma média de 7 ao ano. Isso em um universo atual de cerca de 17 mil togados.

Desses, 48 sofreram a sanção administrativa máxima: a aposentadoria com vencimentos proporcionais.

Recentemente, por exemplo, a juíza Olga Regina de Souza Santiago, da Bahia, recebeu a penalidade sob a acusação de envolvimento com um narcotraficante colombiano.

E também o juiz José Admilson Gomes Pereira, do Pará, acusado de vender sentença, atuar em processos da namorada e trabalhar de forma "morosa", entre outras faltas.

É um equívoco comum achar que esses dois estejam livres de eventual responsabilização penal e cível. Mas seria de uma ingenuidade cósmica imaginar que o juiz que comete crime será processado e punido como qualquer um de nós.

Toga tivesse, Eduardo Cunha contaria ainda com o salário de mais de R$ 30 mil e, com certeza, estaria em bem melhores lençóis do que os que o cobrem na carceragem do Paraná.

O procurador Deltan Dallagnol, um dos chefes da Lava Jato, repete constantemente estar indignado com a impunidade e a corrupção.

Ele é contra discutir agora a lei sobre seus pares. Vê pura e simplesmente a tentativa de retaliar a Lava Jato. Sobra-lhe razão sobre o objetivo oculto de ala do Congresso, mas o corporativismo também se manifesta evidente na indignação seletiva.

Resta saber em que o crime cometido com toga difere daquele praticado com terno e gravata, esporte fino ou guardanapo na cabeça.

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