quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Lista dos erros - Miriam Leitão

- O Globo

Governo Temer começa a se perder no labirinto. Os erros do governo Temer vão minando a pouca confiança que reapareceu logo após o fim do governo Dilma. O caso do ministro Geddel Vieira Lima mostra falta de entendimento básico. Ninguém pode usar um cargo público para tratar de questões de seu interesse pessoal. É simples, não é novo, é crime tipificado e faz parte do conjunto de comportamentos de autoridades que está atormentando a vida do país.

Um ministro que gasta mais tempo se explicando e pedindo que o avalizem não tem condições de conduzir a espinhosa articulação com o Congresso. Ele foi apanhado em um caso de tráfico de influências e demonstrou sequer ter entendido o que fez de errado. Aliás, essa dificuldade cognitiva foi geral. Presidentes da Câmara e do Senado saíram em socorro do ministro Geddel com argumentos que zombam da nossa inteligência. Um deles é o de que o ex-ministro Marcelo Calero não teria entendido a conversa. Entendeu sim e explicou muito bem ao país. Líderes dos partidos da base assinaram manifesto em favor de Geddel. Diante de tanto prestígio o governo afirmou que o assunto estava superado. Com isso, desautorizou a Comissão de Ética Pública. Se está superado, o que faz a Comissão de Ética? Depõe contra o governo o argumento de que como a solução acabou sendo técnica o problema não existe. Se é preciso explicar, a essa altura, que isso é tráfico de influências, fica realmente complicado.

Outro erro começa a ser ensaiado na proposta de nova lei da repatriação. O senador Romero Jucá eliminou a proibição de que parentes dos políticos possam fazer parte do programa. A vedação foi incluída na lei por motivos tão óbvios e cristalinos que também não precisam ser explicados.

O governo Temer despachou o ministro da Indústria e Comércio Exterior, Marcos Pereira, para Genebra, para defender os incentivos fiscais aprovados pelo governo Dilma para a indústria automobilística brasileira. Essas isenções e benefícios fazem parte do conjunto de políticas desastradas que exauriu os cofres públicos. Uma das medidas é a que dá ao exportador 3% do valor exportado. O país está cortando gastos essenciais e quer brigar na OMC pelo direito de dar dinheiro a exportador de carro? Francamente.

Desde que começou a fase interina do governo, as autoridades têm falado que enviarão ao Congresso uma reforma da Previdência, mas a comunicação oficial parece seguir o roteiro sobre como fazer para ela fracassar. Todas as más notícias foram antecipadas a conta-gotas, sem qualquer esforço para convencer o país da necessidade dessas mudanças. Com o aviso prévio dos interesses que serão feridos, a coalizão da resistência vai aumentando. Até agora a reforma não foi enviada ao Congresso. As autoridades que estão no comando desse processo se aposentaram precocemente. Geddel acumula a aposentadoria de deputado com o salário de ministro e ganha acima do teto constitucional, mas disse que não abrirá mão disso porque seria “um simbolismo ruim”. Ele inverteu a lógica. Simbolismo ruim é um ministro que ganha acima do teto constitucional comandar a articulação política para aprovar teto para as despesas públicas.

As reações contra a reforma da Previdência sempre ocorrem quando o assunto surge, mas a dinâmica populacional do país é incompatível com a idade com que grande parte dos brasileiros se aposentou ou planeja se aposentar. A reforma da Previdência não é de direita, nem de esquerda, é uma imposição da vida. As pessoas vivem mais, há proporcionalmente menos jovens e crianças e a equação tem que ser refeita. Serão várias reformas nas próximas décadas.

O equilíbrio das contas públicas exige o combate às vantagens concedidas a certas categorias ou corporações profissionais. O Brasil terá que escolher o que fazer com o dinheiro público, por isso precisa de cada vez mais transparência sobre que destino será dado aos impostos pagos pelos contribuintes. Essa é uma agenda inescapável, mas que fere interesses. Por isso é normal que se questione a coerência da autoridade que está propondo a mudança. A herança deixada pelo governo Dilma foi pesada, mas só será enfrentada se o governo Temer não se perder no seu próprio labirinto. Eé o que começa a acontecer.

Nenhum comentário: