sábado, 5 de novembro de 2016

O papel econômico da Educação - Merval Pereira

- O Globo

A crise educacional e a falta de competitividade do país. No recente ciclo de palestras da Academia Brasileira de Letras com o tema “Planejamento e Políticas Públicas”, sob coordenação da escritora Ana Maria Machado, houve uma feliz coincidência: três dos palestrantes, com abordagens diferentes, acabaram se dedicando especialmente a analisar a crise educacional brasileira e sua relação com a falta de competitividade do país.

O sociólogo José Pastore, uma das maiores autoridades em trabalho no país, Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, um dos técnicos por trás do Bolsa Família, e Samuel Pessoa, do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas no Rio, mostraram como a deficiente estrutura educacional impede que o trabalhador brasileiro ganhe produtividade.

Como analisa Paes de Barros, “a produtividade brasileira cresceu menos do que o salário. Para reduzir a pobreza, é preciso crescimento salarial, que não existe sem crescimento da produtividade. Mas o cenário educacional é desastroso”.

Pastore diz que nós brasileiros vamos ter que escolher entre “muito trabalho e boa Educação ou pouco trabalho. Alta competência ou baixo salário”. Mas o Brasil está atrasado, lembra, fazendo comparações: “Nossa educação média ainda está em torno de 7 anos de escola, quando nos Tigres Asiáticos já passou dos 10 anos; no Japão está nos 12; nos EUA e na Europa já está entre 13 e 14 anos”.

Para Samuel Pessoa, da FGV, “demorou muito para os economistas entenderem o papel econômico da Educação. Nossa sociedade se atrasou na Educação, nosso maior erro histórico no século 20”.

Paes de Barros fez análise do que chamou de verdadeira revolução no combate à desigualdade: “A taxa de crescimento de renda per capita dos mais pobres cresceu acima da média nacional, e isso é inclusão social. No Brasil, 80% caminharam acima da média. Só dois grupos, que representam 15% da população, os mais ricos, cresceram abaixo da média, e têm metade da renda brasileira. Por 13 anos, o pobre cresceu quatro vezes mais rápido do que o rico. Para reduzir a desigualdade, precisa de desigualdade na taxa de crescimento”.

Infelizmente, lamentou Paes de Barros, é preciso fazer isso por mais 20 anos para que nos tornemos um país razoável. Mas o grande feito, salientou, é fazer com que o mais pobre consiga taxas de crescimento chinês via mais trabalho e mais remuneração.

Falando sobre a crise atual, o economista disse que, “mais do que nunca, a melhor política social é a política econômica, pois os pobres estão conectados à economia”. Para ele, o gasto público não é sustentável, e o gasto com o pobre é disso “minúscula porcentagem”. A explosão dos gastos “tem a ver com decisões erradas que põem em risco o que conseguimos”.

Paes de Barros vê “ares de insustentabilidade”, pois, embora os salários dos mais pobres precisem continuar crescendo, “não podem crescer mais rápido do que a produtividade. Quem vai pagar a conta?”.

Na análise de Ricardo Paes de Barros, “temos hoje a maior juventude de todos os tempos, de 15 a 29 anos — 50 milhões —, maior do que jamais tivemos e do que jamais teremos”, mas um sistema educacional atrasado dezenas de anos em relação a países que eram similares ao nosso há poucos anos.

“A escolaridade de quem nasceu nos anos 1930 era de 3,5 anos. O primeiro grupo que atingiu 4 anos de escolaridade foi o que nasceu em 40. Em 70, atingimos 8 anos de estudo. O novo adulto brasileiro, com 25 anos, se tiver um amigo chileno, este terá dois anos de escolaridade a mais — 10 a 12 anos. O pai do amigo chileno já tinha 10 anos. Estamos mais de 20 anos atrasados”.

Sobre o aprendizado de crianças de 15 anos, verificado pelo teste Pisa, Paes de Barros ressalta que 67% dos brasileiros “sabem nada ou quase nada em Matemática”. A Coreia do Sul tem três vezes mais conhecimento, e 93% dos países têm mais conhecimento do que os brasileiros.

Mas temos ilhas de excelência que deveriam ser copiadas. “500 escolas brasileiras já alcançaram a meta do Plano Nacional de Educação para daqui a 10 anos, e a maior parte delas está no interior do Nordeste”. Que país é este, pergunta o economista, lamentando: “Não sabemos valorizar quem sabe fazer Educação”.

Ele cita como exemplo a cidade de Brejo Santo, na fronteira tríplice entre Pernambuco, Paraíba e Ceará, na base da Chapada do Araripe, com renda per capita inferior a R$ 10 por dia, e que está na liderança na Educação. (Amanhã, o novo mercado de trabalho)

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