sábado, 19 de novembro de 2016

O teste da nova maioria

• Coalisão de apoio ao governo de Michel Temer, liderada por PMDB e PSDB, já discute o cenário de 2018 em meio a divisões

Por Lucas Ferraz - Valor Econômico/Eu & Fim de Semana

BRASÍLIA - A nova maioria política que se formou no país a partir do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) reeditou uma antiga parceria no poder entre PMDB e PSDB que, apesar das diferenças e divisões, é descrita como fundamental para as pretensões desses partidos em 2018.

Encabeçada pelas duas siglas, que saíram das eleições municipais como as principais vencedoras, a coalizão de centro-direita começa a enfrentar o que aliados chamam de "teste de unidade". Em jogo, além das reformas econômicas em trâmite no Congresso, está a disputa por espaço entre as lideranças para a sucessão presidencial. As aspirações pessoais e partidárias já provocam ruídos na aliança, mas seu futuro dependerá de muitas variáveis, algumas delas de fora da política.

A principal, que ameaça tanto peemedebistas quanto tucanos, é a imprevisibilidade da Operação Lava-Jato. Delações em curso, como a da empreiteira Odebrecht, têm potencial para atingir alguns dos protagonistas da aliança. Mas há outras, como o rechaço dos eleitores ao sistema político tradicional, evidente nas eleições deste ano em cidades como São Paulo e Belo Horizonte, e a ação em trâmite no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), protocolada pelo PSDB no fim de 2014, que pode cassar o mandato do atual presidente.

"A principal questão é: a aliança para 2018 será feita em torno de quem? O PSDB está unido? Não. O PMDB está unido? Não. O jogo será de talentos, talvez um protagonista que una os partidos, e não o contrário. Pela via partidária não vai ser fácil", afirma o senador José Agripino Maia (RN), do DEM, um dos partidos da coalizão.

Michel Temer, incomodado com a antecipação do jogo eleitoral, pede cautela. Em encontros recentes com líderes do PSDB, como o que teve na semana passada com o senador Aécio Neves, o presidente disse que o movimento é "prematuro" e prejudicial para a aprovação das medidas econômicas no Congresso, além de colocar em risco a estabilidade do próprio governo.

Também causou mal-estar no Palácio do Planalto o movimento de Xico Graziano, ex-assessor de Fernando Henrique Cardoso que o lançou à Presidência em artigo publicado na "Folha de S.Paulo" no início do mês - seja numa disputa indireta, para um eventual mandato-tampão (se Temer for impedido), ou direta, em 2018. O ex-presidente, aos 85 anos, disse que "jamais cogitou" disputar o cargo pela terceira vez.

O PMDB, pelo menos até agora, não tem um nome nacional, ou mesmo de consenso, para lançar como candidato em 2018. A solução, conforme já vazaram aliados de Michel Temer, pode ser a candidatura do próprio presidente, que dirigiu o partido por anos e conhece como poucos os seus meandros. Mas isso dependerá principalmente do êxito do governo na recuperação da economia até o fim do mandato.

"O nome é relativo, ele pode surgir com a campanha. Às vezes podemos até pegar alguém na sociedade", diz o deputado federal Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão de Geddel Vieira Lima, peemedebista que é ministro da Secretaria de Governo.

No PSDB, o cenário não é menos complexo. Principal vitorioso nas eleições municipais, o partido tem atualmente o seu comando dividido entre três nomes que disputam espaço para 2018. Além de Aécio, presidente nacional da legenda e candidato derrotado em 2014, estão no páreo o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e, correndo por fora, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, que se recolocou no tabuleiro durante o processo de impeachment ao se transformar no principal fiador do apoio de seu partido ao novo governo.

Serra e Aécio, no entanto, citados em investigações e delações da Lava-Jato, ainda esperam seus desdobramentos. Já Alckmin, o tucano que saiu das eleições municipais com a maior vitória, enfrenta a oposição dos outros dois pretendentes e o desgaste provocado pelas prévias para a Prefeitura de São Paulo, quando ele enfrentou com sucesso caciques do partido como FHC para impor João Doria como candidato.

As divisões dos tucanos já tumultuam o primeiro "teste de unidade", que será a sucessão na Câmara dos Deputados, em fevereiro. O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumiu uma espécie de mandato-tampão para terminar o período que seria do ex-deputado Eduardo Cunha, cassado e agora preso pela Lava-Jato.

No acordo que o levou ao comando da casa, decidiu-se que o PSDB teria a preferência na indicação do sucessor. Mas, como o partido está fragmentado, com diferentes pretendentes ao cargo, ora ligados a Aécio, Serra ou Alckmin, o trato pode ser desfeito, com uma possível candidatura à reeleição de Rodrigo Maia.

"O PSDB, até para ganhar, se divide. Estamos vendo a confusão para a sucessão na Câmara, o partido tem cinco, seis candidatos. O PSDB é tão desorganizado que nem pedir sabe: tudo que o Serra queria era ser ministro da Fazenda, mas acabou nas Relações Exteriores", disse ao Valor o deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI), um observador privilegiado da formação da aliança PMDB-PSDB - parte da articulação em torno do impeachment se deu na sua casa, em Brasília, onde eram organizados jantares quinzenais para discutir o assunto.

Além da eleição no Legislativo, há a escolha do futuro presidente do PSDB, em maio, outra questão que opõe Aécio (que controla a máquina partidária e não pode ser reeleito) a Geraldo Alckmin (que atua para emplacar um aliado, de olho nas prévias em 2018). "A divisão do PSDB não é um fato novo. É histórico, aliás. Mas, no momento certo, eles sempre se resolvem", minimiza o peemedebista Lúcio Vieira Lima.

"O PSDB se recolocou muito bem no cenário político nestas eleições e passa a ter grandes chances em 2018. Mas o principal vitorioso foi Alckmin, que está em confronto direto com os outros dois nomes da legenda", comenta o cientista político Marco Antônio Teixeira, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV-SP.

PMDB e PSDB saíram das eleições municipais, no mês passado, como os principais vencedores. O primeiro abocanhou 1.038 prefeituras, enquanto o segundo ficou com 803, incluindo a cidade de São Paulo, com eleição em primeiro turno de João Doria.

• "Serra foi elemento importante nesse processo. Ainda mais que não interessava aos outros dois a opção do impeachment", afirma Nelson Jobim

Aliados de Michel Temer dizem que a votação respaldou o grupo político que assumiu o país após a cassação de Dilma Rousseff. "O resultado é claro", disse Moreira Franco, secretário do Programa de Parcerias de Investimentos do governo e um dos principais conselheiros do presidente. Ele foi um dos responsáveis pela aliança com o PSDB, costurando o acordo a partir do Ponte para o Futuro, plano econômico coordenado por ele e que serviu como plano de governo para a nova gestão - a proposta de emenda constitucional que limita os gastos públicos, a chamada PEC 241, e a reforma da Previdência, que chegará ao Congresso talvez ainda neste ano, estavam previstas no documento.

Moreira Franco é um dos defensores da manutenção da aliança para 2018 e já começou a tratar do assunto com Aécio Neves. Para o peemedebista, a união dos partidos, que têm estrutura e capilaridade, além de um bom tempo de TV para a campanha eleitoral, transformaria a coalizão numa potência difícil de ser batida.

A dúvida é se a oposição terá competitividade. O PT, desgastado pela-Lava Jato, sofreu uma derrota histórica nestas eleições - elegeu apenas 254 prefeitos. Maior nome do partido, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece na frente nas pesquisas de intenção de voto já divulgadas para 2018. Réu em três ações da Lava-Jato, Lula, no entanto, corre o risco de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa se for condenado nessas ações em algum órgão colegiado, ficando assim impedido de se candidatar.

A falta de unidade do PSDB, alvo de críticas constantes dos aliados, também marcou a entrada do partido no projeto Michel Temer. Mais uma vez, os tucanos estiveram divididos em torno das aspirações pessoais de suas principais lideranças.

A articulação entre as legendas começou em agosto do ano passado, quando o ainda vice-presidente sinalizava que o rompimento com o governo Dilma era apenas uma questão de tempo - o impeachment começaria a tramitar no Congresso em dezembro, quatro meses depois.

Além dos projetos pessoais, pesava na decisão, segundo o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, que se tornou líder do governo Temer no Senado, a realidade local em alguns Estados, como no Pará, onde os partidos são adversários. "Havia a antevisão de problemas no relacionamento com o PMDB nos Estados. E a política se dá nos Estados, em grande medida. Pensávamos, 'vamos entrar no governo do PMDB e eles vão nos massacrar nos Estados'", declarou. "A questão era: como apoiar um político que, até a véspera, era nosso adversário?"

O movimento de Serra, que mantém uma antiga relação de amizade com Temer, foi crucial na aliança, formalizada somente em abril deste ano, antes da votação da admissibilidade do impeachment na Câmara. FHC, ainda influente nas decisões do partido, avalizou a decisão.

"Serra foi um elemento muito importante nesse processo. Ainda mais que não interessava aos outros dois a opção do impeachment", afirmou Nelson Jobim, referindo-se à hesitação de Aécio e Alckmin sobre o assunto. O primeiro emitiu sinais dúbios até quando o processo já se mostrava irreversível no Congresso, ainda apostando na ação via TSE, enquanto o governador paulista, que costuma falar pouco, calado continuou. Alckmin chegou a defender que o PSDB apoiasse Temer somente no Congresso, sem aceitar cargos no governo.

"O Serra, na verdade, procurava um movimento para engrossar o próprio movimento. O Ponte para o Futuro foi um caso", conta o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que colaborou na formulação do programa econômico, cujas diretrizes liberais são bandeiras do PSDB há décadas.

"Não tinha outro caminho. Do ponto de vista político, todos fomos empurrados pelo consenso que se criou", afirmou ao Valor o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman. Vice-presidente do PSDB, ele resume: "Michel é uma figura completamente secundária, um melífluo. Ele joga aqui, joga acolá, não fala a verdade aqui, nem fala lá. Mas eu também me rendi ao Michel. Se não é ele, vem o quê? Todos se renderam. Tivemos que engolir isso mesmo".

Moreira Franco concorda com Goldman ao menos em um aspecto: "Seria natural [a aliança com o PSDB]. Eles não tinham alternativa nem proposta".

Além do Itamaraty, que ficou sob o comando de José Serra, o PSDB ganhou no novo governo os Ministérios das Cidades (comandado pelo ex-deputado federal Bruno Araújo) e da Justiça (ocupado por Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança Pública do governo Alckmin, mas que fora uma escolha pessoal de Michel Temer).

Ciente do prestígio que empresta ao governo, o partido, desde que Temer foi efetivado no cargo, há três meses, passou a cobrar mais espaço, sobretudo nas decisões da área econômica. Aécio Neves chegou a declarar, em entrevista ao jornal "O Globo", em setembro, que "sem o apoio do PSDB não existirá governo Temer".

Ao Valor, o senador disse, por meio de nota, que seu partido "está empenhado em ajudar o governo a rever o quadro dramático de maior recessão e desemprego das últimas décadas". Sobre 2018, ele desconversou: "É muito cedo para se especular sobre as eleições. O estatuto do PSDB prevê prévias e elas precisarão ser regulamentadas se forem necessárias".

Até o momento, a nova maioria formada a partir do impeachment se mantém inabalável. Em abril, quando a Câmara aprovou a admissibilidade do impeachment, foram 367 votos favoráveis ao processo. Na última votação da PEC 241 na casa, no mês passado, a proposta foi referendada por 359 deputados. É com essa força que o governo espera aprovar a reforma da Previdência.

Apesar dos desgastes dos "testes de unidade", a união não deve ser desfeita a curto prazo, até por uma questão de sobrevivência política. No PSDB, o apoio a Temer passa por um raciocínio elementar: o partido ajudou no processo de impeachment e acabou se tornando uma espécie de adjunto do governo. Logo, teria quase uma obrigação moral de apoiá-lo.

"Se o governo Temer não fracassar, e estivermos de fora, estamos ferrados. Se o governo der certo sem a gente, também estamos ferrados. Então, a única forma da gente se sair bem no futuro é o governo Temer ter êxito", afirma Aloysio Nunes Ferreira. "Não tem essa de que o Michel vai ser candidato, não sei o quê. Temos que apoiá-lo e aprovar todas essas reformas", ressalta o senador, que em alguns momentos define a coalizão na qual faz parte de "autocircunstancial".

Atualmente um dos sócios do BTG Pactual, Nelson Jobim - que já foi ministro do STF, da Justiça, da Defesa e deputado federal pelo PMDB - acha que o governo Michel Temer pode mudar a cara do seu partido, por muito tempo atrelado ao fisiologismo, sem agenda e liderança nacional.

"Se o PMDB não conseguir resolver a crise econômica, talvez o melhor para o PSDB seja se desvincular do governo e sair para a disputa sozinho", comenta o cientista político Marco Antônio Teixeira.

Até 2018, contudo, haverá muitos "testes de unidade" para a nova maioria. Um dos desafios é a presumível tentativa de unidade partidária para a sucessão presidencial. Sem falar nas mudanças no xadrez que já são especuladas, como uma eventual saída do PSDB de Serra (para o PMDB ou PSD do seu aliado Gilberto Kassab) ou Alckmin (que poderia ir para o PSB do seu vice-governador, Márcio França) para viabilizar a candidatura por outra legenda.

Na oposição, diante do desmanche do PT, fala-se numa frente de esquerda liderada pelo ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que também já se apresenta como pré-candidato. "Essa aliança é absolutamente essencial para que alguém nosso tenha sucesso em 2018", diz Aloysio Nunes Ferreira. "Há uma nova forma de ver a relação do Estado com a sociedade, e as eleições municipais mostraram isso. Assim como FHC foi capaz de encarnar a luta contra a hiperinflação em 1994, alguém do nosso grupo vai encarnar esse sentimento atual. E talvez nem sejam os nomes que estão aí", completa.

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