quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Pacto Federal - Míriam Leitão

- O Globo

Estados começam a se unir, e o governo sai da letargia. O governo federal vai conceder aos estados o que teria mesmo que conceder. A interpretação que havia feito de que a multa da repatriação era só da União estava errada, e o governo sabe disso. O fundo a ser criado com contribuições das empresas que recebem incentivo fiscal vai apenas reduzir um pouco os benefícios que essas empresas recebem. Com medidas assim, está sendo firmado o Pacto de Austeridade.

Na verdade, os governadores não foram a Brasília pedir parte da multa paga por quem legalizou o dinheiro pela lei da repatriação. Foi apresentado como se fosse a concessão para que os estados, como contrapartida, fizessem o ajuste. Mas não foi bem isso. Os estados já vinham ganhando na Justiça, e a Fazenda sabia que havia perdido a briga. Pela maneira como foi apresentado, ficou parecendo uma barganha que, neste caso, não houve.

Há um fórum permanente de governadores e era por isso que estavam quase todos ontem de manhã em Brasília. Logo no início do encontro eles admitiram que era preciso unir esforços pelo ajuste fiscal, porque todos estão enfrentando resistência dos seus funcionários às medidas de redução de despesas. Concluíram também que era necessária uma proposta conjunta com o apoio do governo federal. Os 20 governadores e representantes de todos os estados fizeram então reunião com o presidente Michel Temer para alinhavar o acordo para o ajuste estadual. Todos, em maior ou menor grau, têm dificuldade nas suas contas. Alguns em melhor situação conseguirão pagar o 13º salário, mas vários não têm nem terão dinheiro para regularizar a situação com os seus funcionários.

Por isso, começaram a discutir um acordo que imponha um limite aos gastos estaduais. Como não podem fazer uma emenda à PEC do teto de gastos — porque isso, como explicou o ministro Henrique Meirelles, obrigaria a PEC a voltar para a Câmara — os limites para despesas estaduais será parte do Projeto de Lei da renegociação das dívidas. Esse PL está com seu substitutivo quase pronto, feito pelo senador Armando Monteiro, e a ele serão acrescidas as medidas de ajuste das contas estaduais.

Não houve acordo entre os governadores sobre o corte dos cargos em comissão porque há estados que já cortaram até mais de 20%, outros que não querem cortar. Por isso, a negociação sobre esse ponto continuará nos próximos dias. A ideia é estabelecer teto para gastos de acordo com a inflação, exatamente como foi feito para o governo federal.

O fundo estadual que será criado para receber contribuição dos beneficiários de isenção fiscal é uma espécie de desconto do desconto. Funcionará assim: empresa que recebeu redução de imposto como forma de o estado atrair investimento vai ter que contribuir com um mínimo de 10% do valor recebido de redução de impostos para esse fundo. O que se tenta com essa iniciativa é corrigir os excessos de incentivos concedidos durante a guerra fiscal. Para atrair investimentos, os estados deram descontos enormes e por tempo prolongado para muitas empresas. Como essas isenções não podem ser simplesmente canceladas, o governo propôs que se retirasse parte desse benefício, obrigando as empresas a recolher ao fundo.

A solução encontrada para a Previdência é os estados apresentarem uma emenda à PEC do governo federal sobre essa reforma. Um detalhe: a PEC ainda não foi vista à luz do dia. Fala-se dela, agora fica-se sabendo que haverá até uma emenda a ela, mas o governo não a encaminhou ainda ao Congresso.

O ponto mais importante desse pacto de austeridade foi a mudança de postura e de discurso em relação ao ajuste fiscal. Na conversa, ontem, entre os governadores, havia bem mais concordância. Não chegou a haver um consenso, porque sempre há os governadores da oposição, com outros tipos de visão, mas acredita-se que a maioria deve assinar o acordo. Mesmo quem tem que manter um discurso contra o ajuste, por razões partidárias, sabe que as contas não estão fechando, que é melhor ter essa visão em conjunto do que separado, porque o problema é sistêmico. O governo federal saiu, ontem, da sua letargia e assumiu a liderança da busca de uma solução para a grave crise dos estados.

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