sexta-feira, 18 de novembro de 2016

PF: ex-governador recebia mesada de até R$ 500 mil

• Segundo investigação, Sérgio Cabral era o líder do núcleo político do esquema de corrupção

Chico Otavio e Daniel Biasetto - O Globo

O esquema de corrupção comandado pelo exgovernador Sérgio Cabral, no qual teriam passado mais de R$ 220 milhões, foi organizado a partir de quatro núcleos básicos: o econômico, formado pelos executivos das empreiteiras estruturadas em cartel (entre as quais a Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia); o administrativo, composto por gestores públicos; o financeiro-operacional, destinado a garantir o recebimento e a lavagem do dinheiro; e o político, integrado pelo líder da organização, Cabral.

As empreiteiras eram obrigadas a pagar uma taxa de 5% em propina para cada pagamento recebido do governo estadual (contratos e aditivos), que resultavam em mesadas de até R$ 500 mil. No núcleo financeiro, o dinheiro era entregue em espécie a operadores de confiança, que muitas vezes o recebiam na sede das empreiteiras — houve casos de pagamentos em doações eleitorais. A etapa seguinte, sempre segundo a investigação, consistia na lavagem do dinheiro, que seguia caminhos variados até chegar ao destino final.

Um dos caminhos investigados indica que os valores seriam depositados no cofre de uma transportadora. De lá, saíam para uma empresa ligada a Cabral, esquentados por contratos fraudulentos. Outro caminho revela que os operadores tinham meios próprios para esquentar o dinheiro, usando contratos fraudados para simular lucros. Os investigadores descobriram casos de pagamentos de despesas pessoais da família Cabral pelo cartão de crédito dos operadores.

No núcleo administrativo, cabia aos gestores fazer a interlocução com as empreiteiras e vista grossa para fraudes na execução dos contratos, como superfaturamento. Do núcleo político comandado por Cabral, partiam as decisões mais importantes, como os valores a serem pagos pelas empreiteiras, os operadores encarregados de receber o dinheiro e o destino da propina recolhida.

Os investigadores explicaram que, com a finalidade de ocultar a origem desses pagamentos, feitos em dinheiro vivo, as empreiteiras precisaram dispor de um "caixa dois" abastecido por contratos e notas fiscais fictícios, realizados pelo grupo de empresas "de fachada" que simulavam a prestação do serviço.

Um exemplo de como o núcleo econômico se entendia com o financeiro do esquema foi dado pela delação do ex-superintendente comercial da Andrade Gutierrez Alberto Quintaes. Ele admitiu ter conduzido as negociações em reunião com o governador e o ex-secretário de Governo Wilson Carlos, “na qual foi solicitada a propina”, disse o Ministério Público Federal. O pagamento desse dinheiro foi feito parte em espécie e parte em doações oficiais para campanha eleitoral.

Rogério Nora, também da Andrade Gutierrez, complementou informando que Sérgio Cabral condiciou a participação da empreiteira nas obras estaduais ao pagamento dos 5% do valor da obra. No caso da reforma do Complexo do Maracanã, uma das obras citadas, os delatores informaram que, entre 2010 e 2011 foram feitos pagamentos mensais em torno de R$ 300 mil como adiantamentos desses 5%, já que os repasses oficiais pela obra naquele momento não haviam começado.

Cabral, segundo os delatores, chegou a solicitar de R$ 300 mil a R$ 500 mil mensais até quando os pagamentos à Andrade fossem normalizados. Dali em diante, o percentual de 5% deveria ser aplicado. Esta “mesada” foi paga por um período de um ano, aproximadamente, tendo sido iniciado em meados de 2007 e ido até meados de 2008, de acordo com as delações.

Ainda no núcleo político, Cabral indicava Wilson Carlos para falar em seu nome como responsável pela operacionalização dos “compromissos”. Compromissos, neste caso, significam dinheiro devido a título de propina.

PERSONAGENS CENTRAIS
O economista Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, o Carlinhos, ex-marido de uma prima de Cabral, e, eventualmente, Luiz Cláudio Bezerra, outro integrante do círculo íntimo do ex-governador, são acusados de atuar como operadores do peemedebista.

Carlinhos tinha papel central no esquema do governo Cabral, segundo as investigações. Ele corria as empresas para cobrar a fatura pelos contratos, aditivos e outros repasses. Recebia o dinheiro e forjava contratos de sua empresa com as empreiteiras para justificar patrimônio. Preso em Sebollas, distrito de Paraíba do Sul (RJ), onde fica a sede da empresa LRG Agropecuária que, segundo o MPF, era usada para “esquentar” via contratos fictícios a propina de empresas que se relacionavam com o governo Cabral.

Outro personagem que destaca nas investigações é Hudson Braga, considerado o homem forte da área de obras do governo Cabral, e um dos envolvidos que mais exibe sinais exteriores de riqueza. Certidões obtidas pelo GLOBO em cartórios demonstraram que ele é dono de um edifício comercial de dez andares em construção no município de Volta Redonda, de uma propriedade no Frade e outra na Ponta dos Ubás, em Angra, e de dois postos de gasolina, um deles em nome da mulher, Rosângela.

Segundo as investigações, ele usou empresas criadas em seu nome e em nome de parentes para receber dinheiro por meio de contratos simulados de prestação de serviços. Os investigadores, que sustentam que Hudson não tem capacidade financeira para tal patrimônio, desconfiam que ele seja também o dono oculto de uma lancha e de um helicóptero.

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