quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Populismo é populismo - Monica De Bolle

- O Estado de S. Paulo

• Por mais que os EUA sejam os EUA, o populismo deveria dar uma pausa ao ceticismo

Verde e amarelo, ou azul, vermelho, e branco, pouco importa. Tio Sam, ou Carmen Miranda, pouco importa. Jazz ou MPB, pouco importa. Football ou futebol, pouco importa. O populismo é não só atemporal, mas, paradoxalmente, indiferente às fronteiras e à distância.

Paradoxalmente, já que uma de suas manifestações econômicas é o protecionismo. Populismo é populismo, em inglês ou português. Em inglês, perde apenas uma letra.

O que é populismo? O termo, afinal, é usado de tantas maneiras que há imensa confusão, inclusive entre os estudiosos do assunto. Tomemos, portanto, algumas de suas características: o líder populista geralmente apela para a crença de que os direitos, valores, e virtudes do povo estão sendo corroídos por uma entidade ameaçadora. Tal entidade é identificada de modo vago como “as elites”, “a imprensa”, “a grande mídia”, ou grupos raciais, étnicos, e religiosos específicos. A “zelite”, a “mídia golpista”, o “PIG” – Partido da Imprensa Golpista. Soa familiar? Lula falava assim, em nome dos pobres. Dilma falava assim, em nome dos pobres. O PT, em diversas ocasiões, mostrou-se favorável a calar a mídia, a diminuir seus ruídos inconvenientes. Lembram-se da lista de negra de jornalistas? Em tempo: não sou jornalista, mas economista.

Durante os anos em que critiquei o governo Dilma sem trégua, pude fazê-lo à vontade. Contudo, eu, como outros economistas, era considerada “da zelite”, alguém cuja opinião não deveria ser levada a sério, distanciada do povo tal qual estava.

O líder populista é, geralmente, homem ou mulher do povo, mas nem sempre. O presidente eleito dos EUA Donald J. Trump não é homem do povo. Trata-se de empresário riquíssimo, parte da “elite” que hoje condena em nome da classe trabalhadora. Trata-se de indivíduo que se lambuzou na “grande mídia mentirosa”, como ele próprio hoje se refere à imprensa, enquanto a prática beneficiava seus interesses pessoais. Hoje, a mídia que revela seus conflitos de interesse como presidente eleito e empresário, que alerta para os abusos que podem vir a ser cometidos, que o condena por ter atiçado – inadvertidamente? – movimentos neonazistas, o “alt-right”, é atacada dia sim, outro também por meio de sua forma favorita de comunicação, o Twitter.

As semelhanças não param por aí.

Como escrevi em artigo recente para o Peterson Institute for International Economics, e como disse em entrevista para o Washington Post (ver “The Worst Case Scenario for the Economy Under Trump Just Happened in Another Country”), Dilma e Trump guardam semelhanças perturbadoras que transcendem a vontade de controlar a imprensa. Dilma prometeu criar empregos e ajudar a indústria, alavancar o crescimento e reconstruir a infraestrutura. Para tanto, concedeu meio trilhão de reais em crédito subsidiado para grandes empresas, desonerou setores à sua revelia, gastou recursos públicos em planos mirabolantes – o Plano Brasil Maior, o Plano de Investimento em Logística – que não levaram o investimento ou a indústria a lugar algum. O resultado de suas políticas em prol dos “campeões nacionais” resultou na crise fiscal que hoje ameaça ruir o País. Resultou na recessão, no desemprego avassalador, na inflação que o governo, hoje, luta para controlar. Em poucas palavras? Suas políticas fizeram o reverso do que prometera – não beneficiaram os pobres ou a classe media vulnerável, reduziram o mercado de trabalho a pó, mergulharam o Brasil em crise profunda.

Trump, defensor dos esquecidos, promete resgatar seus empregos, restaurar a glória dos velhos tempos, reerguer a indústria tradicional. Como? Com cortes de impostos para os mais ricos e programa de investimento maciço em infraestrutura, além do fechamento das fronteiras para o comércio. Os mercados emergentes estrebucham ante a perspectiva de altas inflacionárias e elevações de juros, a bolsa americana aguarda o triunfo do Trumpismo. No entanto, por mais que os EUA sejam os EUA, o emissor do dólar, moeda de reserva internacional, o populismo americano deveria dar uma pausa para o ceticismo.

Afinal, populismo é populismo. Não tem por hábito acabar bem.

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