sábado, 26 de novembro de 2016

Privilégios criam injustiças e distorcem gastos públicos – Editorial /O Globo

• A propagação da crise permite que se constate a existência de graves distorções salariais nos três poderes, sem que se obedeça ao teto constitucional das remunerações

A crise fiscal espalha dificuldades pela Federação e atrai as atenções para a composição dos gastos públicos. Com isso, projeta luz sobre sérias disparidades nas folhas de pagamento do funcionalismo.

Nada que já não se soubesse sobre altos salários no Executivo, no Legislativo e no Ministério Público, na contramão da realidade de um país de renda média, com grandes bolsões de pobreza, enormes desigualdades sociais, tudo sob um Estado quebrado. A novidade está nas avantajadas cifras em si. A estabilidade do funcionalismo público e a irredutibilidade de qualquer remuneração mantêm tudo como está, mesmo na mais grave crise fiscal jamais registrada.

A abertura dessas folhas salariais confirma que o teto do servidor, definido pela Constituição como o salário de ministro do Supremo (R$ 33.763), é mesmo letra morta. Ele é rompido em todos os cantos da máquina burocrática, sempre por meio de artifícios, nomenclaturas bizarras para disfarçar salário na forma dos mais diversos tipos de adicionais, maneira de colocá-los fora do alcance do teto constitucional.

Reportagem do GLOBO constatou que 89,18% dos juízes no âmbito federal ganham mais que os R$ 33.763, estando na mesma situação 76,48% dos magistrados que atuam no nível estadual.

No Rio de Janeiro — estado em péssima situação fiscal, ao lado do Rio Grande do Sul —, 98,5% dos juízes recebem acima do teto. O quadro se repete no Ministério Público local: 98,12% dos procuradores e promotores são beneficiados da mesma maneira.

A desobediência ao teto legal é disseminada: Defensoria Pública, Legislativo, Tribunal de Contas. Há, ainda, mecanismos corporativos que inflam os salários. Associações de magistrados encaminham reclamações a Cortes superiores nas quais costumam sair vencedoras, tipo tabelinha num jogo de cartas marcadas. Brinca-se dizendo que um fim de semana de sol em Brasília custa bilhões ao Tesouro, porque pessoas graduadas dos três poderes se reúnem em churrascos e trocam ideias sobre como se obter vantagens, sempre pelas vias legais.

Um ponto-chave neste campo, no Judiciário, é a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), em vigor desde 1979. Cabe ao Supremo propor sua atualização, tema há tempos em tramitação na Corte. Não se sabe se a recém-empossada presidente do STF, Cármen Lúcia, aceitaria adicionar mais esta missão ao peso da agenda de julgamentos que já administra. É a Loman que fixa uma série de privilégios para a magistratura. Uma delas, férias de dois meses. Seria um aceno positivo para a sociedade adequar esta lei à realidade do país.

E não só ela. A quebra do Estado brasileiro desvenda segmentos da máquina burocrática que parecem viver em outra dimensão, a salvo de dissabores que pressionam a grande maioria dos brasileiros. Mas a crise é tão grave que ameaça invadir este mundo paralelo.

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