terça-feira, 8 de novembro de 2016

Sem cortesia – Editorial /Folha de S. Paulo

O Congresso, como se cuidasse de projeto sem maiores implicações éticas, rediscute a reabertura do prazo da chamada repatriação, que expirou na semana passada.

Pretende revisar em vários pontos a lei de 2015 que concedeu anistia a quem regularizou, mediante pagamento de impostos e multas, recursos de origem lícita mantidos de modo irregular no exterior.

A iniciativa interessa a muitos sonegadores que só tardiamente perceberam o quanto os crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro se tornarão arriscados com a implantação de novos instrumentos de colaboração internacional.

É que, a partir do início de 2017, o governo terá acesso facilitado a informações sobre recursos mantidos por brasileiros no exterior. Entra em vigor no Brasil a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, que permitirá a troca de dados com 89 países, pelo menos.

Congressistas mal disfarçam um motivo adicional —talvez principal— para a medida: a hipótese de estender a anistia a parentes de políticos que ocupam cargos eletivos e de dirigentes de órgãos públicos.

O governo gostou da ideia como um todo. Multas e impostos sobre recursos declarados na primeira rodada renderam cerca de R$ 50 bilhões. O returno deve contribuir para a amenizar o deficit de 2017.

Afirma-se que o total cobrado pelo governo nessa repescagem passaria de 30% para 35%. Há ainda o interesse de contribuintes retardatários e daqueles que pedem mais certeza jurídica de que não serão investigados e processados.

Ainda que tais argumentos tenham validade, impõem-se outras considerações. Estão em jogo o suspeitíssimo favorecimento a famílias de políticos e um benefício adicional a sonegadores.

Caso haja a extensão da anistia, como será possível provar que os bens não são de familiares laranjas? Esse aspecto, portanto, deveria estar totalmente fora de questão.

A reabertura de prazo tampouco deveria ser considerada. Mas, se de fato governo e Congresso levarem o projeto adiante, o mínimo a exigir é que a adesão custe mais caro. Se por mais não fosse, em breve os recalcitrantes estarão na mira da fiscalização internacional.

Multa e impostos de 30% não diferem muito do peso tributário carregado pelo cidadão que observa suas obrigações; a alíquota de 35% era a proposta original.

Convém salgar a pena pecuniária —já se trata, a bem da verdade, de concessão— a quem cometeu delitos tais como sonegação, falsidade ideológica, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Para anistiá-los, o Estado demanda quase só o pagamento retardatário de obrigações fiscais. Quem mais uma vez decidiu prorrogar sua permanência na clandestinidade deve ser punido por essa indiferença continuada à lei.

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