quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Tempo de anistia - Merval Pereira

- O Globo

O Congresso entrou em clima de anistia. O novo projeto de lei sobre o caixa dois eleitoral, inserido nas diversas medidas de combate à corrupção em debate na Câmara, anistiará, direta ou indiretamente, políticos que usaram dinheiro não contabilizado (lembram-se do Delúbio Soares?) nas suas campanhas, desde, é claro, que a origem seja licita
Na nova lei de repatriação de dinheiro que está no exterior, em paraísos fiscais ou não, sem ter sido declarado à Receita, o Senado proporá uma ampliação das garantias legais, se possível uma anistia explícita para dar maior “segurança jurídica” a quem aderir ao programa.

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, em entrevista ontem ao GLOBO, foi claro ao dizer que, a partir da vigência do acordo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vai ficar muito mais fácil alcançar dinheiro não declarado no exterior. “A era do sigilo bancário acabou”, comemorou Rachid.

Por isso, a nova rodada de repatriação deve conter uma garantia expressa de que os que aderirem ao programa ficarão anistiados, para impedir que a Receita use as informações dos processos de repatriação para investigar os que aderiram a ele.

Com relação ao caixa dois eleitoral, o que a nova redação fará ao criminalizar a ação explicitamente é dar um argumento jurídico aos que forem denunciados pela prática após a promulgação da lei, partindo do pressuposto de que não era um crime tipificado anteriormente.

Há uma discussão jurídica a respeito, pois diversas leis tratam do caixa dois como crime, desde o Código Eleitoral até o Código Penal quando trata do crime de falsidade ideológica, e a Lei das Eleições, que manda para o Ministério Público Eleitoral os processos “para fins de ação penal”. Mesmo assim, há discussão sobre a natureza desse crime e até saída jurídicas.

Partindo do pressuposto de que caixa dois é crime previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, uma lei que crie um tipo especial, com penas mais severas, não afastará a incidência daquele dispositivo sobre os fatos ocorridos anteriormente, na visão de muitos advogados.

Trata-se da extra-atividade da lei revogada, que se dá quando a lei nova não descriminaliza a conduta, só agravando a pena, não podendo retroagir. Como o artigo 350 do Código Eleitoral não diz qual é a pena mínima, só a máxima de cinco anos de reclusão, seria possível usar o artigo 284, que esclarece: “Sempre que este Código não indicar o grau mínimo, entende-se que ele será de 15 (quinze) dias para a pena de detenção e de 1 (um) ano para a pena de reclusão”.

Por conta dessa pena mínima, para os fatos ocorridos antes da entrada em vigor da lei nova, poderá ter aplicação o artigo 89 da lei 9.099, de 26 de setembro de 1995: "Nos crimes em que a pena mínima for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidas ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (artigo 77 do Código Penal)”.

Os que forem acusados de caixa dois terão então vasta munição para discutir na Justiça sua condição. Na definição de um advogado, haverá uma fuzilaria entre a defesa e o Ministério Público, se este não propuser a suspensão do processo — preenchidos os requisitos legais.

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