domingo, 4 de dezembro de 2016

A crise atravessa o samba

• Queda em patrocínios muda o perfil do carnaval na Sapucaí e nos blocos de rua

Glauce Cavalcanti, Bruno Rosa - O Globo

Atravessou. A crise econômica chegou ao carnaval. A pouco menos de três meses da festa mais popular do país, a falta de patrocínio está dando nova cara aos dias dedicados aos festejos de Momo no Rio. Na Marquês de Sapucaí, acabaram os espaços VIPs bancados por grandes cervejarias. E cresceram os organizados por empresas de eventos, com ingressos vendidos por até R$ 5.200. Nas ruas do Rio, os blocos, até agora, contam com só um patrocinador, contra os três do carnaval 2016, diz a Prefeitura. Nos bastidores, a explicação é dupla: a crise tornou a captação de recursos públicos e privados mais difícil, e a Olimpíada polarizou os aportes em marketing das corporações.

Para botar o samba na Avenida e os blocos nas ruas em tempos de recessão, é preciso caprichar no rebolado financeiro em busca de recursos.

— Estamos há cinco anos sem aumentar o preço dos ingressos para o Sambódromo, apesar da inflação. Fizemos o mesmo com os valores cobrados pelos espaços dos camarotes e pelas cotas de patrocínio. Só as frisas da fila A têm reajuste — explica Jorge Castanheira, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio (Liesa). — Apostamos em atrair parceiros com cotas menores, buscando empresas. Já temos Bradesco, Elo, Guanabara e RedBull de patrocinadores. A Rio 2016, diz ele, pesou nesse cenário: — As companhias direcionaram os recursos de marketing e patrocínio para a Olimpíada. Mas os Jogos foram importantes para o Rio, temos de aproveitar a divulgação. O carnaval de 2017 será de beleza e criatividade, para compensar a perda em recursos. Nos camarotes, há mais opções e dias a serem vendidos.

O Rio não está sozinho. Em Salvador, a dificuldade também se mostra presente. Se no carnaval de 2016, os patrocínios somaram R$ 48 milhões, este ano até agora totalizam R$ 30 milhões. Além disso, diz a Saltur, que organiza a folia, alguns artistas tiveram de reduzir os números de blocos e o tamanho de suas apresentações.

Isaac Edington, presidente da Saltur, explicou que para atrair turistas a saída foi ampliar os dias de festa:

— O carnaval não é imune à crise. Alguns blocos tradicionais reduziram os dias e o tamanho para se adaptar. São, ao todo, cerca de 400 atrações musicais.

Para as escolas de samba do Rio, já se fala na pior crise em três décadas:

— O carnaval está mergulhado em sua pior crise em ao menos 30 anos. As escolas de samba têm R$ 6 milhões garantidos, cada uma, com o repasse feito pela Prefeitura, além da receita com venda de ingressos e direitos autorais e de transmissão de imagem. Mas um desfile competitivo custa perto de R$ 10 milhões. Há escolas sem recursos para abrir a quadra — avalia Aydano André Motta, editor do site Carnaval e Samba.Rio.

A Prefeitura do Rio vai repetir o repasse de R$ 24 milhões às escolas do Grupo Especial feito no carnaval de 2016. Deste total, 70% saem semana que vem. O restante, em janeiro, após prestação de contas. Mas o aporte da Petrobras — que vinha por meio de incentivo fiscal estadual — não é esperado para o desfile do ano que vem. Da estatal vinha R$ 1 milhão para cada escola do Grupo Especial, explica o presidente da Liesa, por meio de renúncia fiscal de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Este ano, o repasse encolheu de R$ 12 milhões para R$ 2,4 milhões. A companhia ainda não definiu seus patrocínios para 2017.

CAMAROTE EM ATÉ CINCO PRESTAÇÕES
Na Sapucaí da recessão, o ziriguidum passou a vir dos camarotes pagos. A Ambev desistiu de ter um espaço todo seu, pondo fim a uma década da chamada “briga das cervejarias no Sambódromo”, já que a Itaipava, do Grupo Petrópolis, não decidiu se manterá seu espaço VIP.

Sai Ambev e entra o Camarote Número 1, em alusão ao slogan da Brahma, que doou os direitos de uso, organizado pela Banco de Eventos. É projeto de R$ 8 milhões, com ingresso a partir de R$ 1.800.

— Camarote virou negócio. As crises econômica e política criaram uma grande incerteza. As empresas, hoje, fecham contratos no mês a mês. Os empresários estão esperando as reformas. Ser um espaço multimarca fica mais barato para todo mundo. Por isso, vamos buscar parceiros que possam fazer parte do serviço e dividir os custos de forma a não deixar a qualidade cair — disse José Vitor Oliva, presidente do Banco de Eventos, destacando que a procura pelos ingressos está alta, com quase todo o primeiro lote esgotado.

O Número 1 disputará os holofotes com o Rio Samba e Carnaval, camarote VIP da Sapucaí, com 2.000 metros quadrados distribuídos em dois pavimentos e que recebe 360 pessoas por noite.

— A demanda está abaixo do habitual. Temos 60% dos ingressos vendidos, quando deveríamos estar lotados. O ingresso tem preço médio de R$ 5.200, perto de 20% menor que o último. Esperamos chegar a 80% de ocupação, o que já garante lucro. O custo é muito elevado — conta o empresário Maurício Mattos.

Outro camarote que começou neste ano foi o Allegria, com investimento superior a R$ 3,5 milhões. Com 40% de convites vendidos e preço a partir de R$ 1.400, oferece parcelamento em até cinco vezes.

— A Sapucaí ficou mais democrática. Teremos eventos além dos desfiles, como feijoada no dia da apuração, na Quarta-feira de Cinzas — antecipa Diógenes Queiroz, um dos organizadores.

Já Alessandra Pirotelli, diretora do Camarote Rio, não vê crise na folia:

— A área de entretenimento cresce na crise porque as pessoas buscam se divertir. A demanda avançou 30% — conta ela, que tem no espaço patrocínios de Pernod Ricard Brasil e Reserva.

A hotelaria carioca esquenta os tamborins para reforçar o apelo aos turistas:

— Esperamos colher frutos da divulgação do Rio na Olimpíada. Mas a divulgação está atrasada e isso afeta a ocupação. Não podemos esperar. Os hoteleiros já organizam ações para o carnaval — diz Alfredo Lopes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio.

Para o carnaval de rua carioca, a Dream Factory venceu a licitação feita pelo município. Até agora, conta com o apoio da Antarctica, da Ambev. Na última edição, foram três patrocinadores. Com o modelo de licitação, a prefeitura deixa de gastar R$ 15 milhões, diz Antonio Pedro Figueira de Mello, secretário municipal de Turismo. Ele ressalta que 530 blocos pediram autorização para desfilar em 2017, número menor que as solicitações deste ano, o que ele atribui a um rearranjo natural:

— Colocar bloco na rua não é fácil.

MUSICAL DE CARNAVAL PERDE PATROCÍNIO
Pela primeira vez, Sebastiana e Zé Pereira, duas ligas de blocos de rua cariocas, deram as mãos. Negociam juntas um contrato de patrocínio com uma marca de cerveja para custear despesas. Juntas, somam 19 blocos — incluindo Simpatia é quase amor e Orquestra Voadora — com 23 desfiles. Reúnem mais de 1,2 milhão de foliões por carnaval. Os blocos se queixam da forma como a prefeitura modela a participação que garante a exposição de marcas.

— Fica difícil negociar outros patrocínios com essas restrições. Temos demandas para melhorar a captação de recursos pelos blocos, como a criação de um edital específico para financiamento de carnaval e calendário anual de eventos — diz Rita Fernandes, presidente da Sebastiana.

O Sargento Pimenta, que não integra ligas, corre atrás de patrocínio para seu desfile no Aterro do Flamengo. E espera ter de fechar com mais patrocinadores que neste ano, para chegar à cota necessária.

Tatiana Oliva, da Cross Networking, que atua em parcerias e patrocínio, diz que as empresas só devem fechar contratos com blocos em janeiro: — As marcas precisam se promover. O aperto afeta eventos da agenda précarnavalesca, como o musical “Sassaricando —E o Rio inventou a Marchinha”, de Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral (pai), que perdeu o apoio após oito anos.

— Pode ser impossível realizar a temporada deste verão. A crise costuma turbinar o carnaval, principalmente nos blocos de rua. O que acontece é uma adaptação à realidade — diz Rosa Maria. — A festa não encolhe, o que encolhe são os ganhos para o comércio, bares, restaurantes e serviços.

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