segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Autor do impeachment critica Temer e Supremo

Por Cristiane Agostine e André Guilherme Vieira – Valor Econômico

SÃO PAULO - Um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior elogia as medidas adotadas pelo presidente Michel Temer para enfrentar a crise econômica, mas diz, sem citar nomes, que ele tem uma "entourage ligada a um passado viciado, de pessoas envolvidas na corrupção do mensalão, do petrolão". Para o jurista, Temer não consegue dialogar com a sociedade porque vive "encastelado em Brasília" e preso a "conchavos do Congresso", sem estratégia de comunicação.

Em entrevista ao Valor, Reale Jr. critica os ministros do Supremo Tribunal Federal por falarem "demais" pela imprensa e por exercerem ativismo político que invade a competência do Congresso. Filiado ao PSDB, ele defende maior participação tucana na gestão Temer, para transformar a "pinguela" em uma "ponte segura" para 2018. Sete meses depois do impeachment, sustenta, "se Dilma tivesse permanecido, Lula seria ministro e estaria fazendo manobras, aliado a Renan Calheiros [presidente do Senado]. Renan continuaria com sua audácia".

"Se não fosse o impeachment, não haveria os processos contra Lula"

Um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o jurista e ex-ministro da Justiça no governo do PSDB Miguel Reale Junior afirma que o presidente Michel Temer está cercado de pessoas com um passado "envolto em corrupção". Para Reale Junior, Temer não consegue dialogar com a sociedade "porque vive encastelado em Brasília" e preso a "conchavos do Congresso", sem estratégia de comunicação.

Em meio aos frequentes embates entre Judiciário e Legislativo, o ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso critica os ministros do Supremo Tribunal Federal por "falarem demais" pela imprensa e por assumirem um ativismo político que invade a competência do Congresso.

Filiado ao PSDB, Reale Junior defende uma maior participação do partido na gestão Temer para transformar a "pinguela" do governo em uma "ponte segura" para 2018. Sete meses depois do impeachment de Dilma, o advogado diz que se a petista não tivesse sido afastada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não seria alvo de quatro processos judiciais - dois dos quais relacionados à Lava-Jato - e uma denúncia, também da operação, que pode se tornar o quinto processo.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor.

Valor: O senhor foi um dos autores do pedido de impeachment de Dilma. A política e a economia continuam em crise. Qual sua avaliação da conjuntura?

Miguel Reale Junior: Deve-se examinar o que teria acontecido se não tivesse o impeachment. A situação estaria muito pior. Medidas muito difíceis foram adotadas, que não teriam sido implementadas, a começar pela PEC do teto. Foi um ponto de partida necessário para estabelecer a confiança de agentes econômicos e de investidores estrangeiros. O problema é que a classe política e a estrutura são as mesmas. Não houve nem poderia haver uma efetiva alteração. Temer teve a coragem de apresentar uma proposta de reforma previdenciária profunda, que vai enfrentar resistências. Ao mesmo tempo ele tem uma 'entourage' ligada a um passado viciado, de pessoas envolvidas na corrupção do mensalão, do petrolão. Mas temos que pensar que se não houvesse o impeachment, não haveria os quatro processos contra Lula. Se Dilma tivesse permanecido, Lula seria ministro e estaria fazendo manobras, aliado a Renan Calheiros. Renan continuaria com sua audácia.

Valor: Mas Renan continua forte com Temer e descumpriu determinação de ministro do Supremo...

Reale Junior: Para Renan, fazer maldades e viver nessa linha fronteiriça é quase um vício. O quadro político não mudou porque a classe política na sua maioria não mudou. Houve mudanças muito superficiais, que ocorreram à medida que foram caindo os amigos do presidente.

Valor: O modelo de governo corrupto foi substituído por outro equivalente? Seis ministros e o melhor amigo do presidente já caíram em sete meses. O que mudou?

Reale Junior: Não está havendo corrupção.

Valor: Pessoas do governo foram delatadas em esquemas de corrupção...

Reale Junior: É no passado. Agora não tem corrupção. Isso é o que importa.

Valor: Qual a garantia de que não está havendo corrupção?

Reale Junior: Agora está havendo um controle, tanto que imediatamente pessoas meramente denunciadas foram destituídas [dos cargos]. Há forte controle social. A grande força política hoje não são os partidos, a classe política, nem a imprensa. São as redes sociais.

Valor: O senhor diz que não há mais corrupção, mas o ex-ministro Geddel Vieira Lima caiu por denúncias de irregularidades.

Reale Junior: Mas não é corrupção. Seria prevaricação [omissão]. Corrupção é dinheiro em troca de vantagens, licitação fraudulenta. Isso não se tem conhecimento.

Valor: E o caso de José Yunes, acusado de receber por caixa dois? O fato de ter saído do governo não reforça os indícios de irregularidades?

Reale Junior: É um fato que aconteceu lá atrás. O fato de ele ter saído é porque se transformou em uma pessoa incômoda e as redes sociais cobraram. Não existe fato indicativo de qualquer corrupção hoje.

Valor: Mas se a classe política não mudou no país, pode-se imaginar que se há menos denúncias de corrupção é porque pode haver menos transparência, apuração e divulgação, não?

Reale Junior: A Petrobras mudou completamente, o BNDES e os Correios também. Não mudou a classe política, mas os pontos de acesso à negociação acabaram.

Valor: Como o senhor vê os embates entre o Legislativo e Judiciário e com o Ministério Público?

Reale Junior: O Ministério Público exagerou nas dez medidas [contra corrupção], apresentou várias que não tinham a ver com corrupção, como a limitação do habeas corpus. Houve excesso do Ministério Público e um pouco de marketing, para embutir medidas que facilitam o trabalho de acusação e que não têm nada a ver com corrupção.

• "O Supremo tem errado no seu voluntarismo, individualismo e na mania de dar entrevista. Cada ministro vota pela imprensa"

Valor: Vemos o embate entre Supremo e Câmara em torno das dez medidas contra a corrupção. O ministro Luiz Fux decidiu sobre o projeto em tramitação. Qual a consequência das frequentes divergências entre Legislativo e Judiciário?

Reale Junior: O Supremo tem errado no seu voluntarismo, individualismo e na mania de dar entrevista. Cada ministro vota pela imprensa. Tem um ativismo político, jurídico exacerbados, assumindo posições políticas muito graves.

Valor: O que poderia modular a atuação do Supremo?

Reale Junior: O Supremo precisaria estabelecer um acordo sobre qual comportamento deveria ter daqui pela frente. Eles são não só os guardiões da Constituição, mas também da paz pública. É preciso comprometimento para que as principais decisões sejam colegiadas, para que declarações públicas sejam as mais limitadas. O regimento interno do STF permite a convocação de desembargadores para ajudar no cumprimento de tarefas, especialmente na realização de processos criminais. Não se imaginava que teria tanto deputado e senador com processo criminal. Então o Supremo virou vara criminal, mas não tem vocação para isso. Sentou em cima de processos e acaba ocorrendo a prescrição, a impunidade e a grita popular. A solução é convocar desembargadores e formar uma força-tarefa para apurar rapidamente, ainda mais com a delação da Odebrecht, de Leo Pinheiro [ OAS ]. O número de deputados e senadores envolvidos será muito grande.

Valor: Esses embates entre os Poderes enfraquecem as instituições?

Reale Junior: Muito. O Supremo fez uma coisa absurda, como a cláusula de barreira. Na undécima hora o ministro Marco Aurélio [Mello] inventou que é inconstitucional. É um prejuízo para a democracia imenso. Decidiu que mudar de partido determinava perda de mandato. Não estava na Constituição. A decisão do Barroso sobre o aborto... Há um ativismo no Supremo que invade o Legislativo.

Valor: Há um movimento pelo impeachment de Temer. O senador Caiado defende a renúncia. O senhor vê possibilidade de impeachment, sob a acusação de irregularidades para beneficiar Geddel?

Reale Junior: Não tem motivo. O ato administrativo do Iphan foi tomado livremente, sem interferência do presidente.

Valor: Helio Bicudo, que também assinou o pedido de afastamento de Dilma, defende o impeachment de Temer. Concorda com ele?

Reale Junior: Não sei de onde ele concluiu isso. Não concordo. Se o Iphan decidiu contra os interesses do Geddel, qual é a interferência que o presidente teve?

Valor: Suspeita-se de tráfico de influência..

Reale Junior: Não interferiu.

Valor: Apoiaria a renúncia?

Reale Junior: Imagina. Precisamos de um presidente, passar esse momento. Seria loucura colocar o país numa insegurança absoluta nesse instante.

Valor: O TSE vai julgar a chapa Dilma-Temer e poderá cassá-la em 2017. O senhor acha que é viável?

Reale Junior: Vai demorar. Tem provas a serem produzidas, perícias a serem realizadas, delação da Odebrecht, tem muita coisa pela frente. A decisão do TSE tem recurso para o Supremo. Não se completa no ano que vem.

Valor: Vê argumentos jurídicos para a separação das contas de Dilma e Temer?

Reale Junior: A chapa é única, mas as contas são separadas.

Valor: É possível um acordão para abafar a Lava-Jato? Gilmar Mendes disse que o vazamento de delações pode levar à anulação.

Reale Junior: Não há motivos. A Lava-Jato é fato. Gilmar fala demais,
antecipadamente.

Valor: Temer pode ser envolvido diretamente na Lava-Jato, com a delação da Odebrecht. Como o país deve lidar com a instabilidade?

Reale Junior: Temer quer fazer uma mudança ministerial em fevereiro. Já deveria ter feito. Teve visão muito brasiliense do país, de formar maioria no Congresso, do conchavo congressual, com grupos ligados ao passado. Tem que fazer o que Getúlio [Vargas] fazia: manobrava com o Congresso, governava com o PSD, mas ao mesmo tempo se relacionava com a classe trabalhadora via PTB.

Valor: Mas como ter esse contato se apresenta medidas como a PEC do teto e a reforma da Previdência?

Reale Junior: Tem que ser demagogo no bom sentido, de abrir-se e falar para o povo. Temer não tem estratégia de comunicação.

Valor: Falta habilidade política?

Reale Junior: Temer ficou muito encastelado em Brasília por muito tempo e está faltando esse olhar para a sociedade, para o trabalhador, para o jovem.

Valor: O PSDB deve ampliar a participação no governo?

Reale Junior: Tem que ter papel fundamental, de garantir que essa pinguela se transforme numa ponte mais segura. É um jogo arriscado, mas o que fazer? Se o governo fracassar, será sócio do fracasso.

Valor: Se a economia se deteriorar, o PSDB vai romper?

Reale Junior: Aí seria cair fora do barco quando ele estiver afundando. Não é correto. Tem que colocar condições, dar governabilidade dentro de uma certeza de que o governo vai se afastar de figuras nocivas. Não adianta só dizer que não vai interferir na Lava-Jato.

Valor: Sobre a Lava-Jato, há contestações sobre a atuação do juiz Sergio Moro, de que ele age mais como acusador do que como julgador. O senhor vê excessos?

Reale Junior: Às vezes, em alguma sentença dele com penas mais elevadas do que poderiam ser aplicadas. Mas no decorrer do processo não tenho visto maiores violações das regras processuais. A condução coercitiva não se constitui numa violação.

Valor: E sobre a atuação do juiz em relação a Lula?

Reale Junior: O problema que teria havido foi a condução coercitiva do presidente, mas ele foi ouvido com todas as garantias, saiu em liberdade. Acho que o destino do Lula é frequentar escritório de advocacia criminal e banco dos réus. É um destino muito lamentável, triste para um ex-presidente.
Valor: Acha que Lula disputará a Presidência em 2018?

Reale Junior: Ele nem pode porque ele é réu. Se réu não pode estar na linha de sucessão da Presidência da República, como é que ele, réu, será candidato? Se for eleito, pode assumir? Essa é a pergunta.

Valor: Outros presidenciáveis devem ser citados na Lava-Jato. Como acredita que ficará o cenário?

Reale Junior: É um tsunami que vem por aí: governadores, senadores, deputados. É um novo quadro que se abre no país.

Valor: O senhor descartou uma eleição indireta, mas há conversas em torno da possível indicação de FHC ou Nelson Jobim se Temer for afastado. É uma solução possível?

Reale Junior: Jobim advogou para a Odebrecht, é o proponente do projeto de abuso de autoridade que foi lançado pelo Renan. Fernando Henrique não entraria em um mandato tampão. Precisamos segurar essa pinguela, fazer com que ela vá se fortalecendo e fazer essa travessia para salvaguardar a nós mesmos.

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