quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Espírito natalino - Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

Congresso tenta podar fruto podre para manter sombra

Parece improvável que o Supremo Tribunal Federal anule as delações da Odebrecht. A despeito do apelo do presidente Michel Temer, das pressões do senador Renan Calheiros e do lobby do ministro Gilmar Mendes, não há evidências de que o vazamento desperte no Supremo a mesma reação que inviabilizou o acordo firmado pelo principal executivo da OAS.

Há muitas diferenças entre as duas delações. A mais evidente é que o vazamento da delação de Leo Pinheiro se deu antes de firmado o acordo com o Ministério Público. A assinatura não inviabiliza o cancelamento mas o dificulta porque pressupõe concordância entre as partes.

A ausência de acordo formal foi determinante para a nulidade da delação da OAS porque o ministro Teori Zavascki identificou no vazamento má-fé da defesa para forçar a aceitação de um conteúdo ao qual o ministério público resistia por julgá-lo incompleto.

Em comum, os dois vazamentos levaram o Ministério Público a apontar o dedo na direção da defesa, que vê interesses igualmente fortes de procuradores interessados em emparedar delatados que tentam lhes tirar poderes e prerrogativas. A Odebrecht coordenada a delação dos 77 executivos com a leniência na expectativa de ganhar sobrevida. Não se descarta, no entanto, que interesses cruzados de um mundaréu de delatores tenham motivado estratégias dissonantes de algum dos quase 300 advogados que atendem o caso.

Inviabilizada a anulação, o presidente Michel Temer terá que se valer de sua proverbial capacidade de negociação e articulação para evitar que se espraie, no Congresso, a convicção de que o governo acabou. Acumulam-se os sinais de que a corda começou a ser roída. Ontem o ministro Marco Aurélio Mello pediu à presidente do Supremo, ministra Carmen Lúcia, que inclua na pauta de plenário liminar de sua autoria que determina a abertura do processo de impeachment contra o presidente.

O decano da Câmara, o deputado Miro Teixeira (Rede-DF), começou a balançar a pinguela de Temer, na expressão definitiva de Fernando Henrique Cardoso, com uma proposta para legitimar a substituição do presidente. Sua proposta de emenda constitucional faz prevalecer o enunciado do código eleitoral sobre a Carta. Enquanto a Constituição prevê eleição indireta se o afastamento se der no segundo biênio, o código eleitoral autoriza a escolha popular até seis meses antes de findo o mandato.

A abreviação do mandato presidencial ganhou apoio do senador Ronaldo Caiado (GO), um expoente do DEM, partido ao qual é filiado o deputado Rodrigo Maia (RJ), aliado de Temer e primeiro nome da linha sucessória da Presidência da República. Identificada a um lance de sua plataforma presidencial, a ofensiva do senador goiano, no entanto, galvaniza tão pouco quanto a proposta do líder do PSD, Rogério Rosso (DF), de uma Assembleia Constituinte em fevereiro de 2017.

Vice-líder da minoria e general da tropa de choque da ex-presidente Dilma Rousseff, o deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE) destoou do PT e puxou o coro da eleição indireta de um governo de 'pacificação nacional' a ser liderado por um nome capaz de superar o déficit de legitimidade decorrente da solução prevista na Constituição.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já foi suficientemente claro, em entrevista ao Estadão, sobre as limitações impostas por seus 85 anos ("Ele [José Sarney] é um ano mais velho do que eu, sabe o que a idade acarreta. Portanto, não creio que o Sarney diga [que ele, FHC, é candidato numa eleição indireta] a sério"). O Datafolha tratou de confirmar a inviabilidade do presidente de honra do PSDB ao evidenciar as dificuldades eleitorais da trinca tucana, Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin, ante as candidaturas de Marina Silva e até mesmo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que já foi dado como demissionário, voltou à roda. Ontem acariciou as bases municipais do colégio eleitoral da eleição indireta ao confirmar, em encontro com parlamentares, a inclusão das prefeituras na partilha dos recursos da repatriação. A economia, no entanto, teria que dar sinais muito robustos para tornar possível a aceitação popular de um tecnocrata a dirigir o país.

Nelson Jobim é um nome que se viabiliza no Congresso pelas mesmas razões que pode vir a ser recebido com desconfiança pela opinião pública. Um dos advogados com melhor trânsito no Supremo Tribunal Federal, o ex-ministro enfrentaria resistências por ter integrado a banca de defesa das empreiteiras da Lava-Jato e hoje compor a diretoria do BTG a convite de um dos réus da operação.

Restaria um nome pinçado do Judiciário, como Carlos Ayres Britto. O ex-ministro do Supremo é a outra face da moeda que traz Jobim como alternativa. Não teria dificuldade de transitar junto à opinião pública pelas mesmas razões que provoca grande desconfiança no Congresso. Seria a proclamação do nocaute parlamentar depois da longa batalha institucional com o Judiciário.

De tão vicejante, a plantação de alternativas ao seu mandato já levou o presidente a recuar da convocação do Congresso no recesso para fazer andar a reforma da Previdência. Precisa da pausa para esfriar os ânimos, ainda que não haja dúvidas da temperatura de ebulição a marcar a eleição das mesas na abertura do ano legislativo em fevereiro. São cada vez maiores as resistências à permanência do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Câmara, Casa que tem a prerrogativa de dar início ao impeachment.

Em sua delação, o diretor de relações institucionais da Odebrecht, Claudio Melo Filho, conta que no primeiro ano do segundo mandato Dilma Rousseff, Marcelo Odebrecht, foi indagado pela presidente da Petrobras, Graça Foster, que nomes do PMDB a empresa teria financiado na eleição presidencial do ano anterior.

O empresário não teria respondido a pergunta "por não dizer respeito a ela a relação dele com o PMDB", mas pediu que seu executivo transmitisse o recado ao então vice-presidente. A semente que foi plantada ali arrebentou as raízes do governo Dilma Rousseff. O dilema com o qual o Congresso começa a se debater é como convencer o eleitorado de que a mutação constitucional produzida oito meses atrás fez brotar um único fruto podre. A tentativa de podá-lo visa à preservação da sombra do Planalto que acende suas luzes sem vestígio de espírito natalino.

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