sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Fed não sanciona ansiedade do mercado e mantém ajuste suave – Editorial/Valor Econômico

O Federal Reserve americano subiu a taxa de juros para a faixa de 0,5% a 0,75% e previu que mais três elevações comporão a sequência do ciclo de normalização monetária em 2017. O espectro de Donald Trump rondou a reunião, mas a decisão não incorpora os possíveis efeitos de um pacote de estímulo fiscal do presidente eleito, por um motivo simples, segundo Janet Yellen, presidente do Fed - nada aconteceu ainda.

As projeções dos membros do Fed quase não se moveram em relação a setembro. Houve acréscimo mínimo na previsão de crescimento da economia, para 1,9% este ano e 2,1% em 2017. A taxa de desemprego cai 0,2 ponto percentual, de 4,7% e atinge 4,5% nos próximos dois anos. Quanto à inflação, medida pelos gastos pessoais de consumo, a estimativa saiu de 1,3% para 1,5%, mas manteve-se estável para 2017 (1,9%) e 2018 (2%).

O motivo principal para a aceleração de reajustes, em uma política que continua "moderadamente acomodativa", foi o avanço das contratações. "O mercado de trabalho está na vizinhança do pleno emprego", disse Yellen, e nos próximos três anos o emprego continuará mais baixo do que a taxa de longo prazo, de 5%.

As estimativas do mercado para a inflação fizeram progresso significativo, mas, para o Fed, continuam baixas. Yellen procurou apresentar a alta dos juros como opção minimalista, decorrente da consolidação da recuperação americana. Em dezembro de 2015, o Fed viu a possibilidade de 4 aumentos dos "fed funds" e o mercado discordou dessa perspectiva - houve só um aumento no final. Agora mercados e Fed parecem estar em sintonia.

A trajetória indicada para os juros se mantém fiel à abordagem gradualista do banco. Segundo Yellen, o juro básico ainda está baixo da taxa neutra (a que nem contrai nem favorece expansão da economia) e esta, por sua vez, está muito mais baixa do que no passado. Inquirida, Yellen fez questão de passar a mensagem tranquilizadora do Fed, de que não prevê uma recalibragem acelerada no nível de juros, causado por um aquecimento rápido da economia, e de que tampouco o banco está "atrás da curva" e precisa corrigir rapidamente sua atitude. "Teremos taxa de juros neutra nos próximos anos", disse.

Os mercados esperam que isso possa ocorrer com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, com seu programa generoso de redução de impostos para os ricos e um plano de estímulo à infraestrutura. Não há uma sombra dessa perspectiva na ata, mas Yellen disse que o provável programa econômico do novo presidente e seus efeitos foram discutidos pelo Fed. "Operamos sob uma nuvem de incertezas", comentou. Não se sabe em detalhes como a política de Trump será, nem o mix de medidas e por isso o Fed tem de aguardar os fatos, sem antecipar-se a eles.

Há expectativa de que o programa fiscal de Trump dê um impulso decisivo à inflação, tanto por estimular diretamente a economia como por provocar um aumento do déficit público americano. Yellen que, com seu antecessor Ben Bernanke, defenderam o uso das armas fiscais para reativar a economia, foi direta ao responder sobre a conveniência agora de apoio. No passado, com o enorme desemprego e o perigo de deflação, a mobilização da política fiscal fazia muito sentido. Agora, com a economia perto do pleno emprego e crescendo a 2%, o uso da política fiscal não é considerado como "obviamente indicado".

O Fed, com sua decisão, evitou sancionar aos mercados a própria intranquilidade dos investidores, em uma sinalização que poderia criar fortes turbulências. Apesar das expectativas sobre as políticas de Trump e a previsão de mais aumentos de juros em 2017, o aperto monetário continua suave e dentro do programado, mesmo depois de os juros terem subido ao longo de toda a curva, como mostram os rendimentos dos títulos do Tesouro americano. Se tudo seguir o roteiro traçado pelo banco central, em 2019 o juro básico estará encostado na taxa que o Fed agora prevê como de longo prazo, 3%, bem abaixo dos 4,5% de antes da crise financeira de 2008.

Esse seria o melhor cenário para a economia global e também para Trump, que pode ter mordido a língua. Para que a economia atinja a velocidade que espera com seus estímulos (perto dos 4%) é bom que os juros não subam e sufoquem a expansão. Depois de atacar as baixas taxas como favoráveis à administração democrata, Trump terá de torcer para que essa política prossiga e ajude também os republicanos.

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