quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O ajuste fiscal ameaçado – Editorial/O Estado de S. Paulo

Se pretende reforçar a esperança dos brasileiros de que está empenhado em assegurar as condições para se alcançar o equilíbrio das finanças públicas, sem o qual o País não encontrará o caminho para a retomada do crescimento, o presidente Michel Temer não pode se render à irresponsável decisão da Câmara dos Deputados que destruiu as bases do programa de renegociação da dívida dos Estados com a União. Ou veta o projeto aprovado pelos deputados ou, se as condições políticas o permitirem – o que está longe de ser uma certeza –, só aceite a renegociação se os governos beneficiados cumprirem diversas exigências de austeridade, como lhe faculta o texto. Parece que esta última é a fórmula preferida pelo presidente. “Minha tendência é não vetar, porque aí teria de vetar a recuperação judicial.” Ou seja, é nesse novo instrumento que Temer confia para conduzir os Estados pródigos a entrar na linha.

Decerto os deputados que aprovaram o projeto – do qual seu relator, Esperidião Amin (PP-SC), retirou minuciosamente as exigências de austeridade fiscal com as quais deveriam se comprometer os governos beneficiados com a renegociação – regressaram às suas bases eleitorais aliviados com a decisão. Afinal, fugindo das responsabilidades que seus mandatos lhes impõem em razão da grave crise econômica e política que o País enfrenta, 296 deputados transferiram para outras esferas do poder público – o governo federal, os governos estaduais e as Assembleias Legislativas de seus Estados – a tarefa que era também sua de encontrar meios para restabelecer um mínimo de ordem nas finanças estaduais. Tivessem agido como esperavam os contribuintes, sempre chamados a pagar a conta da farra com o dinheiro público, teriam mantido as contrapartidas.

Não é, lamentavelmente, a primeira vez que os deputados se comportam desse modo. A Câmara havia aprovado a primeira versão do projeto, retirando do texto proposto pelo Executivo boa parte das contrapartidas, entre as quais o severo controle dos gastos com pessoal e a redução do aparelho estatal. Manteve apenas a imposição de um teto temporário para as despesas primárias correntes.

Dada a grave situação na maioria dos Estados, três dos quais decretaram estado de calamidade financeira, o Senado aprovou rapidamente uma nova versão do projeto, restabelecendo as contrapartidas retiradas na Câmara e criando um programa de emergência, o Regime de Recuperação Fiscal. Esse programa será aplicado apenas aos Estados em situação financeira mais grave e valerá por 36 meses (prorrogáveis por igual período), durante o qual ficará suspenso o pagamento das prestações da dívida. Na versão aprovada pelo Senado, e negociada previamente com o Ministério da Fazenda, as contrapartidas exigidas dos Estados que aderirem ao novo regime eram mais rigorosas do que as válidas para os demais que renegociassem sua dívida.

Por causa das mudanças aprovadas no Senado, o projeto teve de passar por nova votação pela Câmara. Ao fazê-lo, os deputados preservaram o Regime de Recuperação Fiscal – pois ele permite a suspensão do pagamento das dívidas por pelo menos três anos –, mas retiraram praticamente todas as contrapartidas, que, assim, deixam de ser obrigatórias por lei nacional. Elas só serão cumpridas se houver concordância dos governadores e das respectivas Assembleias Legislativas, o que torna incerta sua efetiva aplicação e muito frágil o poder de negociação do governo federal.

O projeto estabelece que o Estado que pretender renegociar sua dívida com a União precisa apresentar as medidas para equilibrar sua situação financeira e fiscal, as quais serão examinadas pelo Ministério da Fazenda antes de recomendar ao presidente da República sua aprovação ou rejeição. A dúvida, para a qual ainda não há resposta, está em saber se o governo Temer terá condições ou determinação política para resistir às imensas pressões a que, sem a determinação imposta por lei de alcance nacional, estará sujeito a partir do momento em que iniciar os entendimentos com um governo estadual. E parece mais do que certo que qualquer vantagem que um Estado obtiver nos entendimentos com o governo federal será o mínimo que o Estado seguinte exigirá quando chegar sua vez de negociar. Os meios para a continuação da crise dos Estados estão dados.

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