quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O disjuntor da República - Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

• Supremo rende-se ao poder de Renan Calheiros

Um tabelião de Maceió recebeu a lista de celulares com quebra de sigilo autorizada por um juiz federal. Tratava-se de operação da Polícia Federal destinada a desbaratar uma quadrilha de tráfico de entorpecentes. No meio dessa lista, o tabelião identificou o número de celular de Renan Calheiros. De pronto, ligou para o senador, confirmou a suspeita e pôs em curso a operação para abortar a inclusão daquele número no pedido de quebra de sigilo.

A operação para grampear clandestinamente o presidente do Senado havia se valido de um jabuti, mascote da sociedade entre lobistas, parlamentares e Executivo, de todos os tempos, para fazer tramitar interesses ocultos no Congresso Nacional. A história já tem tempo mas serve para explicar a modulação dada pelos Poderes à crise institucional da semana.

O poder de Renan deriva da teia de aliados que tem espalhada desde o topo até os mais recônditos postos da República. Ao contrário do ex-deputado Eduardo Cunha, o senador não se distingue por comandar, com a eficiência de um CEO, a rede de distribuição da propina. Seu negócio é montar a rede que lhe abastece de informações para operar aquilo que um dia se chamou de aparelho do Estado. Vale-se dela para si e para aliados no intuito de fazer fluir interesses e, principalmente, para travá-los.

Foi por meio dela que galgou pacientemente a escalada que lhe devolveu a presidência do Senado seis anos depois de ter sido obrigado a renunciar ao cargo pelo escândalo que acabaria por torná-lo réu no Supremo Tribunal Federal. É o manejo desta teia que pode vir a preservar seus poderes, mesmo quando vier a deixar o comando da Casa. É candidato a reproduzir a trajetória de José Sarney, com o feito de alcançá-lo sem ter ocupado a Presidência da República.

No julgamento da liminar que tirou Renan Calheiros da presidência do Senado, o advogado da Casa defendeu o afastamento da linha sucessória da Presidência da República como saída para mantê-lo no cargo. Ao fazê-lo, diminuiu a instituição para adaptá-la à situação pessoal do seu atual comandante, uma meia sola institucional, na definição de Marco Aurélio Mello. A tese, no entanto, não poderia ser mais reveladora do jogo de Renan. A crise enfrentada por Michel Temer está aí para provar que a essência do seu poder não está na titularidade, nem na gerência do pedágio que trancafiou Cunha em Curitiba, mas na capacidade de acionar o disjuntor da República.

Ao acumular quatro mandatos como presidente da Casa que sabatina e aprova ministros do Supremo, o senador também estende sua rede à trajetória e ao exercício de poder dos seus titulares. Deve haver outras explicações, mas não há como contornar esta teia para entender como o senador conseguiu protelar o julgamento de um dos 11 processos que acumula no Supremo por nove anos, mesmo tempo que a Corte levou para julgar os 40 investigados do mensalão.

A explicação de que é o futuro das reformas que está em jogo não resiste ao resultado da pauta legislativa da terça-feira. As chamas do conflito institucional, já incluído no rol do nunca dantes visto, não impediram o Senado de aprovar o novo marco legal das telecomunicações na mesma terça-feira em que o presidente da Casa se recusava a receber uma notificação judicial.

O STF buscou saída política para o imbróglio que, a despeito das ressalvas ao ativismo de seu mais estridente ministro, acabou por referendá-lo. Um marciano que assistisse ao ministro Gilmar Mendes no plenário do Senado na semana passada, o tomaria como o 82º integrante daquela Casa. Convidado por Renan para a audiência com o juiz Sergio Moro, Mendes vestiu uniforme de centroavante, não de juiz do jogo.

Ao emparedar seu parceiro de toga, fez dobradinha com o presidente da Casa dando curso à mobilização que os une, desde a posse de Temer, de por um freio à República de Curitiba. Do púlpito, Mendes adotou o estilo Luiz Inácio Lula da Silva de evocar parlamentares ao longo de sua fala, quase todos tucanos, num convite à empatia com suas teses. Do exterior, manteria a militância política da toga ao propugnar o impeachment do ministro Marco Aurélio, com quem mantém inconfessáveis pendengas pessoais.

No julgamento de ontem, o ministro Teori Zavascki fez uma reprimenda ao comportamento de Mendes e à desobediência do presidente do Senado em cumprir os efeitos da liminar sem citar um ou outro. Foi seguido por todos os ministros que fizeram desagravo ao ministro Marco Aurélio mas não deram maioria para confirmar sua liminar. O contorcionismo que fez prevalecer o voto do ministro decano, Celso de Mello, pela manutenção de Renan Calheiros no cargo desde que privado de assumir a Presidência da República, foi justificado pelos ministros como postura de responsabilidade face à crise do país. Nenhum deles esclareceu o que acontece se toda a linha sucessória for impedida de assumir a batuta.

Venceu Renan Calheiros, que deixou o presidente da República pendurado no telefone por duas oportunidades em menos de 24 horas, para deixar claro que não garantiria a pauta de votações da Casa. A boa vontade do Supremo com o senador pode vir a ter reflexos tanto no projeto que pune o abuso de autoridade quanto naquele que limita os supersalários. E atestou a incontornável rendição do Supremo ao disjuntor da República.

Reforma da Previdência
O texto da reforma da Previdência chegou ao Congresso no mesmo dia em que o Senado aprovou o marco legal das telecomunicações. A votação, restrita à cobertura especializada, transferirá para investidores bens da Oi calculados em R$ 8 bilhões. Pelas regras anteriores, os imóveis e equipamentos da operadora teriam que ser devolvidos à União, que detinha o monopólio do setor até os anos 1990.

No mesmo dia, o Palácio do Planalto sinalizou que dará curso a um novo parcelamento de dívidas de empresas com a União. Ainda não há estimativas de renúncia do novo Refis, mas não há dúvida de que esta medida, somada às prebendas da Oi, conformam a conjuntura em que a reforma da Previdência chega ao Congresso. O fisco pretende financiar benesses empresariais com uma proposta que faz convergir a aposentadoria com a longevidade média dos brasileiros.

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