quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O tempo do presidente - Andrea Jubé

- Valor Econômico

• Para Temer, um dia são dois, um mandato é meio

O presidente Michel Temer é metódico e pontual como o relógio Cartier, de pulseira de couro, que traz no pulso esquerdo há 15 anos. Ele acorda todos os dias às 6h, faz ginástica na academia instalada no Palácio do Jaburu e toma café da manhã na cozinha.

O café na cozinha do palácio é a hora reservada para a leitura atenta dos quatro jornais nacionais, inclusive o Valor. Mas ao longo do dia, Temer desenvolveu o hábito de se informar pelo Twitter, que acessa pelo smartphone - no momento, um iPhone 7.

Embora ligado no Twitter, Temer não decide em tempo real. A metáfora perfeita do tempo das decisões presidenciais é o seu Cartier: um modelo secular, fabricado com minúcia artesanal.

Temer tem uma relação mais peculiar com o tempo do que seus antecessores: no seu caso, um dia são dois, um mandato é meio.

Ele tem pressa nos resultados, mas cautela nas decisões. Já extravasou em discursos a pressão que sofre por respostas imediatas a erros que se acumularam por anos. "Estamos há 12 dias no governo, e de vez em quando abro os jornais, e parece que estou há dois anos ou mais", reclamou, em maio, ainda na interinidade.

Temer age com método, sem açodamento, na cadência do relógio de pulso. Primeiro, ouve vários aliados. Os mais frequentes são o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, e o presidente do PMDB e líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (RR). Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney também são conselheiros habituais.

O passo seguinte é a "decantação" do dilema, como se ele depositasse o problema num recipiente fechado e deixasse a solução repousar por dias. Nesse período, se os aliados sobem o tom das cobranças por respostas, ele retruca, com irritação: "Eu tenho o meu tempo."

É justamente o tempo do presidente que prevalecerá na nomeação do deputado Antonio Imbassahy para a Secretaria de Governo, por meio da qual delegará a articulação política aos tucanos, apesar da ansiedade do PSDB. "Temer vai cozinhar os tucanos em fogo brando", avisa um auxiliar.

O presidente está determinado a só concretizar a nomeação em fevereiro, após a eleição para a presidência da Câmara, ou assim que "clarear" o cenário da disputa. A sucessão do aliado Rodrigo Maia (DEM-RJ) - que postulará a recondução para novo mandato - é a missão mais delicada de Temer, após a vitória na aprovação da PEC do teto dos gastos.

Aliados detectaram a digital do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), no vazamento precipitado do nome de Imbassahy, como estratégia para transformar o apalavrado em fato consumado. Não respeitou o tempo de Temer.

O presidente estava alinhavando com outros aliados o aval ao nome de Imbassahy - considerado um político hábil e afável, adequado ao posto. Mas seu nome foi divulgado antes da hora, gerando uma reação exacerbada do Centrão, que ameaçou obstruir a votação da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça.

O Centrão, formado por PP, PTB, PR, PSD e SD, trava um embate acirrado com PSDB e DEM pela presidência da Câmara. A eleição está marcada para 1º de fevereiro. Qualquer aprofundamento na divisão da base aliada desestabiliza a gestão e compromete as metas do governo, como aprovar a reforma previdenciária na Câmara ainda no primeiro semestre de 2017.

De igual forma, Temer joga com o tempo da economia no tocante à redução dos juros - outro foco de violenta pressão no gabinete presidencial. Em resposta, relembra-se o ato da ex-presidente Dilma Rousseff, que determinou "numa canetada" a queda dos juros, agravando a crise econômica. "Temer não vai reduzir os juros no braço, como Dilma", descarta um assessor.

No caso da Lava-Jato, Temer tenta conduzir a máquina administrativa, sem deixar o governo a reboque das denúncias. Ele tenta seguir adiante sob a compreensão de que o tempo do governo é um, e o da investigação é outro, sem que um paralise o outro.

Há 12 dias, quando jornais e revistas bombardearam o governo com a delação de Claudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Temer foi cobrado a dar uma resposta rápida para estancar logo o desgaste.

Mas longe de agir por impulso, Temer deflagrou o seu método, a "decantação" do problema. A resposta demorou três dias para vir a público, por meio de uma peça jurídica assinada pelo presidente e pela advogada-geral da União, Grace Mendonça, pedindo ao Ministério Público agilidade com as delações.

Na sexta-feira, dia 9, havia dois movimentos em estudo sobre o tabuleiro: reivindicar celeridade nas investigações, para homologação das delações pelo Judiciário, ou requerer a divulgação de todo o seu conteúdo, para encerrar os vazamentos, que sangram o governo.

Mas Temer conteve o ímpeto dos aliados e lançou-se à reflexão. No sábado, aconselhou-se com o criminalista e velho amigo, Antonio Mariz - que chegara a convidar para o Ministério da Justiça. No domingo, reuniu-se com aliados no Jaburu e jantou com deputados na casa de Rodrigo Maia.

A resposta apareceu segunda-feira, com o envio ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, da petição em que faz um apelo pelo desfecho rápido das delações, para subsequente homologação - ou não - pelo Judiciário. Sem esse ato, as colaborações não têm força de prova, e não servem senão à instabilidade política.

Ouvir aliados antes de decidir era do feitio de Sarney, Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva. Já Dilma não ouvia nem Lula. Todos tentaram reverter o tempo a seu favor. Fernando Collor, notório pelo marketing pessoal, uma vez saiu para a corrida matinal com uma camiseta em que se lia: "O tempo é o senhor da razão".

Com Temer, contudo, nem sempre o tempo reverteu-se a seu favor. Ele demorou para afastar Geddel Vieira Lima do ministério, acusado de pressionar o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero para resolver uma questão pessoal. "Ele reconhece que errou", diz um auxiliar. No caso Geddel, o Cartier atrasou.

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