quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Orçamento realista, só em fevereiro - Ribamar Oliveira

- Valor Econômico

Receita do orçamento de 2017 está superestimada

Nos próximos meses, o cidadão vai descobrir que uma coisa é a União ter um limite para a despesa total do ano e outra coisa é ter receita suficiente para chegar até ele. Durante toda a discussão em torno da PEC do teto para o gasto, travada nos últimos meses, o cidadão desavisado pode ter entendido que o Congresso Nacional estava definindo quanto seria gasto no próximo ano e nos seguintes.

Esta ilusão foi alimentada pelo fato de que foi divulgado que o teto para o gasto em 2017 seria a despesa realizada neste ano, corrigida em 7,2%, que era a taxa de inflação prevista para 2016 quando a proposta orçamentária foi encaminhada ao Congresso. Assim, alguns entenderam que haveria, até mesmo, um aumento real da despesa no próximo ano, pois a elevação de preços em 2017 está sendo estimada abaixo de 5%, ou seja, menor que a taxa usada para corrigir o gasto.

Infelizmente, a realidade é outra. O que o Congresso definiu nesta semana, ao aprovar a PEC do teto, foi um limite para a despesa, com a regra de que ele não poderá aumentar em termos reais nos próximos dez anos, pelo menos. O gasto efetivo de cada ano dependerá da receita obtida pelo Tesouro Nacional no exercício, depois de garantido o cumprimento da meta fiscal definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Dito de outra forma: além do limite para a despesa, o governo é obrigado a respeitar a meta de resultado primário definida na LDO. Assim, o gasto de um determinado ano será definido tendo em vista a previsão da receita e a garantia do cumprimento da meta de resultado primário.

Se a arrecadação fraquejar, a despesa terá que ser ajustada a essa realidade e, assim, cortada. Ou, então, o governo deve promover uma elevação dos impostos para cobrir os gastos. Ou, em último caso, propor uma redução da meta fiscal. O mais provável, quando um governo é fiscalmente responsável, é que ele adote uma combinação das duas primeiras alternativas. Tudo indica que isso é o que vai acontecer em 2017.

A proposta orçamentária para o próximo ano, que começou a ser votada ontem pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso, é inteiramente irrealista. Ela projeta uma receita primária bruta (antes das transferências para Estados e municípios) de R$ 1,406 trilhão, o que significa um aumento nominal de 7,7% na comparação com a estimada para este ano. O problema é que a arrecadação de 2016 foi substancialmente elevada por uma receita extraordinária de R$ 46,8 bilhões resultante da regularização de ativos mantidos no exterior de forma ilegal por brasileiros - a chamada repatriação de recursos.

A receita com a nova rodada da repatriação, que ainda será aprovada pela Câmara dos Deputados no próximo ano, foi estimada em R$ 13,2 bilhões, bastante inferior, portanto, à que ocorreu neste ano. Com um agravante. Ao incluir na proposta orçamentária de 2017 a arrecadação líquida da União com a repatriação, o Congresso não considerou que também a multa terá que ser dividida com os Estados e municípios, como está acontecendo neste ano, com a primeira versão da medida.

Além disso, a receita de tributos federais foi projetada na proposta orçamentária com a perspectiva de crescimento de 1,6% da economia em 2017 - um desempenho que nem mesmo o governo acredita mais ser possível. O mercado trabalha com a perspectiva de uma expansão econômica de 0,7% no próximo ano, de acordo com o último boletim Focus, editado pelo Banco Central. Alguns analistas acreditam que o crescimento será ainda menor.

Com uma atividade econômica mais fraca, a arrecadação também tende a arrefecer. A proposta orçamentária prevê ainda uma receita extra de R$ 18,6 bilhões, que ingressaria nos cofres públicos "pela aplicação de autos de infração ou pela cobrança de débitos em atraso".

Apesar do irrealismo da receita, o governo encaminhou ofício ao relator da proposta orçamentária, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), autorizando uma elevação de R$ 9 bilhões da despesa orçamentária para 2017. Esse aumento foi uma forma que o governo encontrou para acomodar os pleitos dos parlamentares.

A despesa da União com pessoal em 2017 não vai ajudar no equilíbrio das contas. Ela está projetada em R$ 306,9 bilhões, o que representa um aumento de 18,3% em comparação ao que está previsto para este ano. Há, no entanto, uma "gordura" de cerca de R$ 6 bilhões no montante desse gasto, pois o relator do Orçamento só utilizou parte da reserva de contingência de R$ 12,7 bilhões colocada pelo governo na proposta orçamentária para atender aos acordos de última hora de reajustes salariais fechados com os servidores.

Em fevereiro de 2017, como aconteceu em anos anteriores, o governo deverá editar o decreto de programação orçamentária e financeira. Para corrigir o irrealismo da receita e o excesso de gasto incorporado ao Orçamento, o governo terá que fazer um substancial contingenciamento das dotações orçamentárias.

Há indicações preliminares da necessidade de um contingenciamento em torno de R$ 50 bilhões. O problema é que a margem para corte nas chamadas despesas de custeio (não incluindo salários dos servidores) é muito pequena. Assim, a redução de despesa terá que ser feita, basicamente, nos investimentos, que já estão muito baixos.

Uma alternativa ao corte é a obtenção de outra receita extraordinária, além das que já estão previstas na peça orçamentária. O mais provável, no entanto, é que o governo promova o aumento de impostos. Toda vez que se discute esta questão, a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o chamado "imposto do cheque", é sempre a candidata preferencial de 10 entre 10 técnicos.

Mas, desta vez, talvez somente a recriação da CPMF não seja suficiente para fechar a conta e preservar a meta de resultado primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) de déficit de R$ 139 bilhões. Talvez seja necessário elevar outros impostos, como, por exemplo, a Cide sobre combustíveis.

A pior alternativa para resolver o problema seria o governo aceitar um déficit primário pior do que o está determinado na LDO para 2017.

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