terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Os apoios de Temer - Merval Pereira

- O Globo

Um presidente extremamente impopular como Michel Temer, cujo apoio está abaixo de 10% nas pesquisas mais recentes, conseguir montar uma base de sustentação no Congresso tão fiel a ponto de ter tido, segundo pesquisa do Estadão Dados publicada ontem, um índice de aprovação de 88% de suas iniciativas, é o paradoxo que rege nossa política atual, desafia os estudiosos, mas, sobretudo, inquieta os oposicionistas.

O paradoxo da Presidência Temer é esse, um presidente congressualmente forte e politicamente fraco. Ao contrário do que ele mesmo disse, numa tentativa frustrada de demonstrar despreocupação com sua taxa ínfima de popularidade, um presidente que se dispusesse a fazer reformas como o controle de gastos e da Previdência precisaria ser muito popular para poder perder gordura e aprovar essas reformas.

No entanto, não tendo esse prestígio popular, ele é capaz de levar o Congresso a aprovar medidas dificílimas, embora necessárias — um Congresso tão desmoralizado e impopular que busca se afirmar justamente atuando na contramão do populismo, embora em alguns casos, como na negociação da dívida dos estados, namore com a leniência para agradar as corporações.

A revelação de que ele colocou como meta ser reconhecido pela História como o presidente que realizou as reformas estruturantes de que o país necessita dá uma dimensão maior ao seu mandato. Dois cientistas políticos da Fundação Getulio Vargas do Rio, Octavio Amorim Neto e Carlos Pereira, este em ano sabático em Berlim, têm visões semelhantes desse fenômeno: a última possibilidade que a atual classe política tem de não ir para a lata do lixo da História é aprovar as reformas estruturais.

Para Octavio Amorim Neto, o fato de Temer não ter sido eleito diretamente é um problema num regime presidencialista como o nosso, embora na sua visão ele tenha chegado à Presidência de maneira legítima. Mas esse não é um problema insanável, diz ele. Temer substituiu Dilma num processo traumático, muito polarizado e contestado numa certa elite política, mas a maioria da população não gostava de Dilma e apoiou sua destituição.

A grande aposta do Palácio do Planalto hoje, diante dessa crise estrutural da política brasileira, e dessa crise de credibilidade que ameaça Temer, é ser o único que se dispõe a fazer uma duríssima reforma econômica, no que é seguido pelo Congresso. Mas Octavio Amorim Neto acha que, já que o estilo de Temer é a disposição de negociar e conceder, ele terá dificuldades para fazer uma reforma que aponte para uma nova trajetória e enfrentar as corporações que estão derrotando os esforços de reajuste fiscal em estados como o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

A condição fundamental para a retomada do crescimento econômico, para mudar as expectativas de empresários com relação à dívida pública e da política fiscal é a reforma da Previdência, mas Octavio Amorim Neto tem dúvidas sobre se o governo Temer, fraco do ponto de vista de sua relação com a opinião pública e com a sociedade, pode fazer uma boa reforma da Previdência.

Carlos Pereira acha que as chances de o Congresso aprovar reformas estruturais polêmicas como a da Previdência são enormes. Ele chega a imaginar que talvez o governo Temer se transforme no mais reformista da História recente do Brasil.

Pereira considera que havia uma ideia equivocada da esquerda brasileira de que a crise política teria continuidade no governo Temer, mas ele ressalta que a crise atual é completamente diferente da que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma. Na sua análise, o Executivo sob Dilma tratou mal sua base parlamentar, montou uma gerência de coalizão completamente ineficiente, muito heterogênea, que não compartilhou nem poder nem recursos de forma proporcional com os aliados.

O governo Temer, ao contrário, é extremamente eficiente. Temer montou uma coalizão muito representativa do Congresso, e isso é raro, diz ele. A coalizão atual, que teve um índice de eficiência na aprovação das medidas apresentadas de 88%, é mais eficaz do que a de Fernando Henrique Cardoso que, na análise de Carlos Pereira, havia sido a mais eficaz até o momento.

(Amanhã, o fator Lava-Jato)

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