quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Para Marco Aurélio, saída alternativa para Renan é 'meia sola constitucional'

Daniel Carvalho, Letícia Casado, Reynaldo Turollo Jr. – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, fizeram, nesta quarta-feira (7), duras críticas ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e à decisão tomada por ele de não se afastar do comando da Casa, como havia determinado liminar do Supremo Tribunal Federal.

O magistrado chamou de "jeitinho" e "meia sola constitucional" a alternativa apresentada pela defesa de Renan de afastá-lo da linha sucessória da Presidência da República, mas mantê-lo no comando do Senado.

"Houve uma recusa de um dos Poderes da República em cumprir uma decisão legítima proferida por órgão competente. Desafiar decisão judicial é como desafiar as noções fundamentais do Estado democrático de direito", afirmou Janot.

Em decisão liminar, o ministro Marco Aurélio determinou o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado. Monocraticamente, o magistrado acatou pedido da Rede Sustentabilidade, feito na segunda (5), para que Renan fosse afastado depois que virou réu, na última quinta (1º), pelo crime de peculato na ação em que é acusado de peculato (desvio de recursos públicos).

A maioria dos ministros do Supremo já decidiu pela proibição de réus em cargos na linha sucessória da Presidência da República. O julgamento, no entanto, não foi concluído por causa de um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Nesta semana, um oficial de Justiça tentou duas vezes notificar Renan Calheiros sobre a liminar, mas o senador recusou-se a recebê-lo.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu o afastamento de Renan da Presidência do Senado. Segundo ele, a Constituição determina que o presidente do Senado está na linha sucessória, independentemente dos problemas pessoais que o ocupante do cargo tenha.

"Existe indissociabilidade entre as competências dos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo para substituir o Presidente da República no papel dos próprios órgãos nessa substituição", disse Janot durante sua manifestação no julgamento. "A prerrogativa constitucional é do cargo, não é da pessoa e problemas pessoais pessoa não podem limitar as prerrogativas do cargo", afirmou.

"Como não há vice-presidente o presidente do Senado passa à segunda posição na linha de substituição. Não é aceitável que a Presidência de um órgão de representação popular vocacionado a substituir o presidente da República pela carta da República seja afastado de antemão dessa linha de substituição por problemas pessoais do ocupante do cargo."

Na terça-feira (6), a Mesa Diretora do Senado –comandada por Renan– decidiu desafiar o STF e só aceitar o afastamento do peemedebista após decisão do plenário do tribunal.

Janot retomou uma frase já dita por ele anteriormente: "Hoje, o que exige a República é que pau que dá em Chico tem que dar em Francisco", afirmou, ao defender a manutenção da decisão de Marco Aurélio.

"Que mensagem e que exemplo que esse estado de coisas daria para nossas crianças, adolescentes, brasileiros e o povo em geral? De que pessoas acusadas de graves crimes contra a administração pública podem estar no comando desta nação, ainda que transitoriamente?", questionou Janot.

O ministro Marco Aurélio Mello foi irônico ao falar de Renan. "Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República", disse, referindo-se ao descumprimento da decisão judicial pelo Senado. O ministro ainda chamou de "inconcebível" e "grotesca" a desobediência do senador peemedebista.

"Faço justiça que ele [Renan] não me chamou de 'juizeco'", disse também, relembrando episódio em que o senador classificou desse modo um juiz federal que mandou prender policiais do Senado.

"Surge situação cuja gravidade impõe a correção de rumos, mediante atuação firme, com desassombro, do tribunal que ostenta a condição de última trincheira da cidadania", disse o ministro em seu voto.

O ministro seguiu a mesma linha de raciocínio de Janot ao tratar sobre a linha sucessória da Presidência da República: que réus em ações penais não podem ocupar algum desses cargos.

"O mesmo tratamento dado, pelo plenário, com idênticas Constituição e composição, à situação jurídica do presidente da Câmara, cumpre ser implementado relativamente ao presidente do Senado. Fora isso é a variação inconcebível, o total desprestígio para o Supremo aos olhos da comunidade jurídica, acadêmica e política. Hoje, encontra-se desafiado, no que sequer conseguiu notificar o presidente, o vice-presidente e o primeiro-secretário do Senado da decisão proferida, ficando o triste exemplo para os jurisdicionados em geral."

Marco Aurélio disse em seu voto que, para o cidadão comum, Renan é visto hoje como o próprio Senado, um "salvador da pátria" capaz de ajudar a resolver a crise que afeta o país.

"A que custo será implementada essa blindagem pessoal, inusitada e desmoralizante?", questionou o ministro do STF.

CRISE
Já no início do julgamento, o advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, reconheceu haver crise institucional entre Legislativo e Judiciário.

"É indubitável que há um atrito institucional entre os Poderes. Não há como negar esse fato. E, diante de situações extremas, ocorrem fatos e medidas extremas", afirmou Cascais, alegando que o Supremo e seus membros têm o respeito do Senado.

"Jamais o Senado Federal teve intenção, por parte da Mesa e de seu presidente, Renan Calheiros, de desafiar esta Corte. Jamais."

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, respondeu de imediato. "Os poderes estão trabalhando cada um dentro dos seus limites. Isso não pode ser visto como atrito", rebateu.

Em seu relatório, Marco Aurélio leu a decisão da Mesa Diretora de manter Renan no comando do Senado e detalhou os constrangimentos a que foi submetido o oficial de Justiça nas duas tentativas de notificar o senador.

ADVOGADOS
O advogado-geral do Senado, Alberto Caiscais, disse que a liminar de Marco Aurélio interferiu na faculdade dos senadores de escolherem seu chefe e desrespeitou o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Caiscais pediu que a liminar fosse cassada e requereu "o simples afastamento do senador Renan Calheiros da linha sucessória da Presidência da República".

Ele defendeu a tese jurídica que se tornou hipótese mais forte para o resultado deste julgamento: que Renan não possa ocupar o Planalto, mas que não precise deixar o comando do Senado.

Representando a Rede Sustentabilidade, o advogado Daniel Sarmento chamou de "inusitada" a decisão do Senado de desobedecer a liminar de Marco Aurélio. "Não se trata de atender às multidões, mas às vezes há convergência entre desejo da sociedade e o que diz a Constituição", disse.

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