sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Queda das vendas põe em xeque ânimo da economia – Editorial | Valor Econômico

Não são boas as perspectivas das vendas neste Natal. Shoppings fazem promoções, mas os corredores ficam vazios, constata um jornal. Somente os centros de compra populares estão movimentados, informa outro. Será o Natal das lembrancinhas, sustenta ainda a manchete, o segundo pior da década, depois de 2015 quando as vendas despencaram 7,1%. Não será uma surpresa se as piores previsões se confirmarem. O Relatório de Inflação divulgado ontem pelo Banco Central reúne os diversos indicadores que mostram o comportamento ruim do consumo desde o início do ano.

As vendas no varejo registram em outubro a maior queda desde 2008. O varejo restrito encolheu 0,8% na comparação com setembro, descontados os efeitos sazonais, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi a quarta queda mensal consecutiva, acumulando baixa de 6,7% no ano e de 6,8% em 12 meses, recuo mais intenso desde o início da série, em 2001. Chamou a atenção que foi o segundo mês consecutivo de recuo no setor de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, cujas compras são geralmente as últimas a serem cortadas pelas famílias. No varejo ampliado, que inclui veículos e motos, partes e peças, e material de construção, as vendas caíram 0,3% na comparação com setembro; 9,3% no acumulado do ano e 9,8% em 12 meses.

O aumento do desemprego, o elevado endividamento das famílias e o ambiente negativo no crédito são os principais motivos da queda das vendas e devem prejudicar os negócios inclusive no Natal. A taxa de desemprego apurada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, atingiu 11,8% no trimestre encerrado em outubro, bem acima dos 8,9% do mesmo período de 2015. A eliminação de postos de trabalho formais desacelerou, mas nos dez primeiros meses do ano, foram extintas 792,3 mil vagas, em comparação com 898,7 mil no mesmo período de 2015, de acordo o Caged, do Ministério do Trabalho, atingindo construção civil, serviços e agropecuária.

Além disso, o rendimento médio real habitual dos trabalhadores está em queda, diminuiu 1,3% no trimestre encerrado em outubro, em relação a igual período de 2015, de acordo com a Pnad Contínua, contribuindo para que a massa salarial real habitual recuasse 3,2%, no período. Na margem, no entanto, o recuo da inflação permitiu que esses indicadores aumentassem 0,9% e 0,3%, respectivamente, em relação ao trimestre encerrado em julho. Estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima em 10% a queda dos salários médios pagos no país em dois anos, sendo de 3,7% em 2015 e 6,2% neste ano.

Hoje o Banco Central divulga o balanço das operações de crédito em novembro. O saldo dos empréstimos montava a R$ 3,1 trilhões, com queda nominal de 2% em 12 meses. O saldo das operações com pessoas físicas apresentou aumento nominal de 3,3% em 12 meses e de 1,8% no ano. Mas as novas concessões diminuíram 3,4% e 3,1% respectivamente. Apesar da trajetória declinante do nível de atividade, a relação crédito/ PIB registra tendência de queda desde o início do ano e chegou a 50,3% em outubro em comparação com 54,5% em dezembro de 2015.

Um crescente número de economistas atribui o aprofundamento da crise econômica e a resistência em sair dela ao que está sendo chamado de "credit crunch", que assolou os Estados Unidos após a debacle financeira de 2008. No caso brasileiro, há até a estimativa de que R$ 1 trilhão deixou de circular na economia em créditos bancários liquidados que não retornaram ao mercado em novos empréstimos (O Estado de S.Paulo, 18/12). O endividamento é de fato elevado e consome mais de 20% do orçamento das famílias. Mas a realidade parece mais complexa.

Não provocou mudança significativa no quadro a injeção do 13º salário na economia, estimada em R$ 196,7 bilhões pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB), pago a 84 milhões de pessoas, dos quais 40% são beneficiários do INSS. Os valores envolvidos dão boa dimensão do reduzido poder de fogo da decisão do governo anunciada hoje de liberar R$ 30 bilhões para os trabalhadores sacarem do FGTS. Parece também limitado o efeito das mudanças em estudo no rotativo do cartão de crédito.

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