quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Sem contrapartida, socorro a estados dificulta ajustes

• Congresso aprova ajuda que pode superar R$ 100 bilhões

Em derrota do governo, deputados retiram do projeto de renegociação das dívidas estaduais com a União praticamente todas as exigências de contenção de gastos e ampliação de receitas

A Câmara aprovou ontem, por 296 votos a favor e 12 contra, a renegociação das dívidas de estados com a União excluindo praticamente todas as contrapartidas de ajuste fiscal antes impostas pelo governo. Com o projeto, a União poderá ter que adiar o recebimento de R$ 100 bilhões previstos até 2019. Para analistas, a retirada das exigências tornará a situação fiscal dos estados ainda mais complicada e dificultará a aprovação de medidas de ajustes nas assembleias legislativas.

Socorro sem contrapartida

• Em derrota do governo, Congresso retira exigências em renegociação de dívidas dos estados

Cristiane Jungblut, Martha Beck - O Globo

-BRASÍLIA E CURITIBA- Mesmo com uma forte oposição do Ministério da Fazenda, a Câmara dos Deputados deu ontem aos governadores um presente de Natal e aprovou a renegociação das dívidas de estados com a União, excluindo praticamente todas as contrapartidas que haviam sido impostas pelo governo. O texto, aprovado por 296 votos a favor e 12 contra, também cria um regime de Recuperação Fiscal para os estados em pior situação financeira — como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Também nesse caso, as exigências mais importantes foram suprimidas. Como já passou pelo Senado, o texto agora vai à sanção do presidente Michel Temer.

Com o projeto, a União pode ter de abrir mão de mais de R$ 100 bilhões até 2019. Somente o alongamento das dívidas dos estados por 20 anos representará uma renúncia de R$ 50 bilhões entre 2016 e 2018. O cálculo é da própria Fazenda. Já com o regime de Recuperação Fiscal, os deputados estimam que a perda será de R$ 53 bilhões caso Rio, Rio Grande do Sul e Minas Gerais sejam autorizados a ingressar nele.

Originalmente, o Palácio do Planalto e a Fazenda acertaram com os governadores a renegociação das dívidas e o regime de Recuperação Fiscal com duras contrapartidas. Elas incluíam, por exemplo, a proibição de criar novas despesas, a suspensão de reajustes de servidores e a revisão de benefícios fiscais. No caso do regime, os estados quebrados ficariam três anos (prorrogáveis por mais três) sem pagar suas dívidas com a União e ainda ganhariam aval do Tesouro para novos empréstimos em troca de medidas como aumento da contribuição previdenciária dos servidores para 14% e a criação de um programa de desestatização. Tudo isso, porém, caiu por terra.

A única exigência para o alongamento de 20 anos mantida pela Câmara foi a fixação de um teto para os gastos públicos — nos mesmos termos da União — por dois anos. No caso da recuperação fiscal, os governadores terão de apresentar um pedido ao Ministério da Fazenda para poder ingressar no programa. A decisão terá de ser referendada pelo presidente da República.

Integrantes da área econômica tentaram minimizar a derrota. Eles afirmaram que as contrapartidas do regime estavam no projeto apenas para facilitar a vida dos governadores, pois indicavam o que a Fazenda espera em troca da ajuda emergencial. Os governadores terão de aprovar nas assembleias legislativas, num prazo de 120 meses, medidas de ajuste fiscal. Além disso, a Câmara fixou o prazo máximo de ajuda fiscal em três anos.

— O projeto com contrapartidas realmente era melhor. Mas o texto aprovado ficou muito parecido com o que existe hoje para empresas em recuperação judicial. Elas apresentam um pedido ao juiz e ele decide se autoriza ou não. No caso dos estados, será a mesma coisa. O estado vai apresentar um pedido, e a Fazenda vai analisar se este será aceito — disse um integrante da cúpula da equipe econômica.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que os parlamentares exerceram seu “direito legítimo e constitucional” de modificar o texto aprovado no Senado.

— Isso (o projeto do Senado) facilitaria a vida dos próprios estados para preparem os seus planos para submeter ao governo. A lei já diria tudo que é preciso ser feito. Mas, na medida em que os deputados decidiram retirar essas especificações, serão mantidos para o presidente da República a prerrogativa e o poder de aprovar ou não, e ao Ministério da Fazenda, o poder de recomendar ou não ao presidente — afirmou Meirelles, em palestra para empresários em Curitiba.

Mas ele assegurou que o governo não se sente derrotado:

— Só seria se fosse revogado o poder da Presidência de vetar ou da Fazenda de recomendar. Isso sim seria grave.

Em nota, a Fazenda informou que respeita a decisão dos parlamentares e que o Congresso é soberano. Mas ressaltou que caberá à pasta autorizar o enquadramento dos estados no regime de Recuperação Fiscal. “O governo tomará todas as medidas para que as propostas aprovadas assegurem que os estados readquiram o equilíbrio fiscal e financeiro. Serão aprovados os planos que, de fato, viabilizem esse equilíbrio”, diz a nota.

Antes de embarcar para Curitiba, Meirelles tentou convencer os líderes dos partidos a manterem as contrapartidas. A base aliada também tentou obstruir a votação, o que irritou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ):

— Não precisamos dizer amém ao ministério da Fazenda. Temos que votar o texto que entendermos que é melhor para o Brasil. Se o presidente (Temer) não concordar, tem poder de veto. O que não podemos é convocar os deputados e não votar nada. Quem quiser, na tarde de hoje assuma sua responsabilidade de votar contra ou favor.

‘ESTAMOS PRODUZINDO UM FRANKENSTEIN’
O PT também chegou a tentar obstruir a votação, mas desistiu após ser retirada da proposta a permissão para que os estados quebrados tomassem empréstimos para financiar programas de demissão voluntária. O líder petista na Câmara, deputado Afonso Florence (BA), anunciou a mudança de posição citando o fim da “exigência de privatização”.

O líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino (AM), criticou o texto final:

— Estamos produzindo um Frankenstein: não estamos atendendo nem os governadores e nem a União. O plenário não quis votar o que precisava ser votado, e lá na frente poderemos nos arrepender da lei que estamos fazendo hoje.

O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, acompanhou as discussões na Câmara. Ele disse ao GLOBO acreditar que as contrapartidas poderão ser adotadas nos contratos a serem firmados entre a União e os estados mais endividados:

— Para o Rio foi muito importante a aprovação da proposta. Temos de ver se o presidente vai sancionar. Mas o Michel (Temer) é craque e nisso, sabe valorizar um trabalho (da Câmara) como esse. Isso ajuda muito os estados. Os governadores estão muito felizes.

Nos bastidores, Temer se declarou preocupado com a “falta de condicionantes”, mas, segundo interlocutores, está sendo convencido de que o governo tem “outros instrumentos” para fazer valer as exigências.

Colaboraram Simone Iglesias, Renan Xavier (estagiário, sob supervisão de Martha Beck) e Amanda Audi (especial para O GLOBO)

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