domingo, 6 de novembro de 2016

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

Ganhamos, diria como eleitor do PSDB, mas para o que fazer? Qual é a proposta, não só do PSDB, mas dos dirigentes políticos em geral, para o Brasil como nação, mais do que como simples economia, e como país que é parte de um mundo desafiador no qual coexistem os avanços da globalização e as dificuldades dos Estados nacionais para lidar com as demandas dos perdedores dela e das organizações internacionais para evitar a escalada de conflitos geopolíticos?
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Sociólogo, foi presidente da República. ‘Reflexões amargas’ , O Estado de S. Paulo, 6/11/2016

Cenário político de 2018 começa a ser desenhado

• No Rio, Paes desponta como pré-candidato ao governo

Marco Grillo - O Globo

Os resultados eleitorais mexeram no cenário e, ainda que dois anos sejam muito tempo nos parâmetros políticos, a configuração para 2018 já começou a ser rascunhada. Sem Marcelo Crivella (PRB), eleito prefeito do Rio, e com a possibilidade de o senador Lindbergh Farias (PTRJ) não tentar um novo mandato, a disputa pelas duas vagas do estado no Senado em 2018 promete ser acirrada. Para o governo estadual, Eduardo Paes, que já manifestou publicamente a vontade de concorrer ao cargo, é o nome que desponta — embora seja cedo para dizer se pelo mesmo PMDB de hoje ou por outro partido.

O atual prefeito do Rio, que já passou por DEM (então PFL), PV, PTB e PSDB antes de chegar ao PMDB, em 2007, já despertou o interesse de outras legendas e será cortejado de forma mais intensa conforme o momento da definição das candidaturas for se aproximando.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, já manifestou o interesse de ter Paes entre seus quadros — para o partido, é fundamental ter um nome competitivo na disputa para dar sustentação no estado à provável candidatura de Ciro Gomes à Presidência.

Centrão rejeita reeleição de Maia na Câmara

• Líderes dizem que consulta sobre 2.º mandato deve ser rechaçada e articulam candidato único

Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Centrão, grupo na Câmara formado por 13 partidos que integram a base aliada de Michel Temer, está disposto a impedir que prospere a movimentação do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para se reeleger ao cargo.

Líderes do grupo dizem que não há chances de a consulta jurídica sobre a possibilidade de Maia se candidatar novamente ser aprovada e costuram o lançamento de um nome consensual para comandar a Casa a partir de 1.º de fevereiro de 2017. A ideia é contrapor o bloco da antiga oposição, formado por PSDB, DEM e PPS.

Os tucanos, que inicialmente tinham a intenção de lançar um nome do partido, já admitem apoiar Maia caso ele consiga se viabilizar. O presidente da Câmara também já comunicou a Temer sua intenção de concorrer.

Na avaliação de alguns deputados, no entanto, somente uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) poderia permitir que Maia – eleito para um mandato-tampão – disputasse um novo mandato na presidência da Casa. Como não haveria tempo hábil para aprovar uma PEC, qualquer alternativa é vista como “casuísmo”.

'Reeleição de Rodrigo Maia à Presidência da Câmara é solução natural', diz Alckmin

• O governador de São Paulo, no entanto, afirmou que a discussão cabe à área federal e ao Legislativo

José Roberto Gomes - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou na manhã deste sábado, 5, que a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados "é uma solução natural" para a Casa. O tucano, contudo, afirmou que "essa discussão cabe à área federal e ao Legislativo". "Não pretendemos interferir", resumiu a jornalistas após participar da solenidade de abertura do 1° Feirão Morar Bem, Viver Melhor, realizado na capital paulista. O evento imobiliário é voltado a servidores estaduais e a inscritos no auxílio moradia.

No último dia 3, a Coluna do Estadão revelou que o PSDB pode lançar algum nome para a presidência do Senado, em 2017, caso seja preterido pelo Palácio do Planalto na disputa pela Câmara dos Deputados. Já o governo simpatiza com o plano de reeleger Maia, embora, oficialmente, afirme que não exerce influência.

Decisão sobre cassação de chapa Dilma-Temer será histórica, diz relator

Flávio Ferreira – Folha de S. Paulo

PORTO SEGURO (BA) - O ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Herman Benjamin, relator do processo de cassação da chapa da ex-presidente Dilma Rousseff e do atual presidente Michel Temer, disse que o caso "é o maior processo da história" do TSE e que sua decisão será "histórica".

Benjamin afirmou, na noite desta sexta-feira (4), após palestras do encontro nacional do juízes estaduais, que o ponto de partida do caso será a presunção de inocência e que será garantido o pleno direito de defesa dos acusados.

"Isso aqui não é um processo de impeachment do Congresso Nacional. O TSE não é um tribunal político, é um tribunal que decide sobre fatos, com base na lei e Constituição."

O ministro também disse ter ficado impressionado com a extensão do caso de corrupção na Petrobras ao ouvir os delatores da Operação Lava Jato ao longo do processo no TSE —foram ouvidos na condição de testemunha, entre outros, os empreiteiros Ricardo Pessoa (ex-presidente da UTC) e Otávio Marques de Azevedo (ex-presidente da Andrade Gutierrez) e o lobista Julio Camargo.

‘Jamais entraria para política’, diz Moro a jornal

• Juiz responsável pela Lava-Jato defende restrição de foro privilegiado

- O Globo

O juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, afirmou que não cogita disputar um cargo político. Além de rejeitar esta possibilidade, o magistrado afirmou que a Lei de Abuso de Autoridade, proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que é investigado na LavaJato, é um “risco” que pode “afetar a independência da atuação” dos juízes, do Ministério Público e da polícia. Moro defendeu, ainda, a restrição do foro privilegiado para autoridades. “Quem sabe, os presidentes dos três Poderes” disse o magistrado, em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”.

Questionado sobre a possibilidade de tentar um cargo eletivo no futuro, Moro afirmou que tem um “outro perfil”:

— Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. Acho que a política é uma atividade importante, não tem nenhum demérito, muito pelo contrário, existe muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra realidade, outro tipo de trabalho, outro perfil. Então, não existe jamais esse risco.

LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
O juiz também explicou por que considera o projeto apresentado pelo senador Renan Calheiros um risco para a atuação da magistratura. Segundo Moro, o texto da proposta de Renan é um problema. Ele disse que o projeto pode ter efeito de intimidação.

— Há dois problemas: uma questão do momento, que é um momento um pouco estranho para se discutir esse tema, e o problema da redação do projeto. Por exemplo, a previsão de algo como “promover a ação penal sem justa causa”. Bem, qualquer ação penal tem de ter justa causa. O problema é que direito não é propriamente matemática — declarou Moro. — Pela redação do projeto, em princípio, isso possibilitaria que o denunciado entrasse com uma ação penal por abuso de autoridade contra o procurador, ou o promotor.

Moro elogiou a atuação do ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), mas defendeu a restrição do foro privilegiado, que hoje permite que autoridades sejam julgadas, apenas, por tribunais superiores.

— Não que o Supremo não seja eficiente, mas é um número limitado de juízes e é uma estrutura mais limitada — afirmou. — O ideal seria, realmente, restringir o foro privilegiado, limitar a um número menor de autoridades. Quem sabe, os presidentes dos três Poderes.

Temer defende ‘estudar’ adoção do voto facultativo

Daniel Galvão – O Estado de S. Paulo

O presidente Michel Temer afirmou que o alto volume de votos em branco e nulos verificado nas eleições municipais deste ano significa que, “talvez, seja a hipótese de se estudar o voto facultativo”

A declaração foi dada durante entrevista ao programa Mariana Godoy Entrevista, da Rede TV!, que foi ao ar na noite de sexta-feira. O fim do voto obrigatório é um dos pontos da reforma política sobre o qual não há consenso entre os parlamentares.

Para o peemedebista, as propostas de mudança devem ser debatidas pelo Congresso, e não via Executivo.

De acordo com Temer, o voto facultativo, caso aprovado pelo Congresso, deveria vir acompanhado de “pregação de cidadania”. “Quando você vai ao advogado, ao médico, eles são de confiança. Nas eleições, você está dando uma procuração para uma coisa mais grave, que é dirigir os destinos do País”, disse.

No ano passado, ao analisar proposta de emenda à Constituição sobre o tema, a maioria dos parlamentares da Câmara votou contra relatório do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) que defendia o voto facultativo sob o argumento de que a democracia brasileira não está “madura” o suficiente para adotar a medida no País.

O presidente admitiu que hoje há um mal-estar com a classe política. “Às vezes, a crítica vem pelo silêncio, pela abstenção ou pelo voto nulo”, declarou. Para o presidente, a classe política deveria compreender que “tem alguma coisa errada”. “O político tem de servir ao povo, e não ao seu mandato”, afirmou. /

‘Podemos ter explosão de votos em branco e nulos’

• Diante do aumento das abstenções e de votos em branco e nulos na eleição deste ano, o cientista político Jairo Nicolau é pessimista. O professor da UFRJ prevê para 2018 uma “explosão de insatisfeitos”

Marlen Couto - O Globo

Jairo Nicolau, que lança em breve seu novo livro, “Representantes de quem?”, (editora Zahar) frisa que este é, por enquanto, um fenômeno só das grandes cidades de Sul e Sudeste derivado, principalmente, dos protestos de junho de 2013, dos escândalos de corrupção envolvendo a elite política, da crise do PT e das novidades impostas pela mudança na legislação eleitoral. Diz que, no horizonte, não há candidatos nem partidos capazes de motivar esse eleitor.

Em20anos, Previdência usará 87 do Orçamento

Sem reforma, em 20 anos Previdência vai consumir 87% da receita da União

• Estudo do economista Paulo Tafner mostra que, se nada for feito, praticamente todo o orçamento da União em 2035, às vésperas do fim do prazo de validade da PEC do Teto, será usado para o INSS

Alexa Salomão - O Estado de S. Paulo

Pelo que indicam as primeiras projeções, fixar um limite para os gastos públicos terá o poder de escancarar as distorções da Previdência. O projeto de emenda constitucional que põe um freio no crescimento das despesas, a PEC do Teto, ainda está em avaliação no Senado, mas estimativas que consideram a sua aplicação mostram que o INSS vai dragar o orçamento com uma velocidade olímpica. Sem a reforma da Previdência, o gasto mais que dobrará até 2035 – às vésperas de o teto completar 20 anos. Hoje, só o INSS consome 42% da receita líquida da União. Lá na frente, vai drenar 87%.

Reforma não evitará cortes de R$ 300 bi no Orçamento

• Novas regras na aposentadoria só terão efeito a longo prazo

Nos próximos dez anos, gastos com benefícios devem continuar subindo e será preciso apertar outras contas para cumprir o limite para despesas públicas

Mesmo que a reforma da Previdência seja aprovada, o governo terá de cortar ao menos R$ 300 bilhões em outras despesas orçamentárias nos próximos dez anos para cumprir o teto de gastos em votação no Congresso, informa GERALDA DOCA .A reforma só terá efeito a longo prazo, e o novo limite para o crescimento das despesas públicas, que deve entrar em vigor já no ano que vem, prevê que os gastos totais do governo não podem crescer acima da inflação. O tamanho do corte, porém, vai depender do alcance da reforma da Previdência a ser enviada ao Congresso e do resultado final da votação.

Uma conta de R$ 300 bi

• Mesmo com aprovação da reforma, governo terá de cortar outras despesas para cumprir teto de gastos

Geralda Doca - O Globo

-BRASÍLIA- Mesmo que a reforma da Previdência seja aprovada, como seus efeitos virão apenas a longo prazo, o governo terá de cortar ao menos R$ 300 bilhões em outras despesas orçamentárias nos próximos dez anos para cumprir o teto de gastos em votação no Congresso — que já deve vigorar em 2017 — e, assim, fechar o rombo previdenciário do país. Segundo estudo técnico da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, com base em projeções oficiais, as despesas com benefícios previdenciários somarão R$ 8,441 trilhões até 2026 — montante que teria de cair para R$ 6,297 trilhões com a aplicação do novo limite para as despesas públicas. Ou seja, em valores reais (de hoje), é uma diferença de R$ 1,328 trilhão: montante superior ao impacto estimado pelo Executivo para a reforma da Previdência, na casa de R$ 1 trilhão no período.

Reforma envolve temas além do rombo fiscal

• Debate deve incluir saúde, desigualdade de gênero, informalidade e mobilidade urbana, dizem analistas

Cássia Almeida - O Globo

A reforma da Previdência é inevitável, dizem especialistas e governo, para garantir o pagamento da aposentadoria para as gerações futuras. Mas não é só o equilíbrio fiscal e o envelhecimento da população — os dois pilares que vêm sustentando a discussão — que devem ser contemplados nessa discussão. A economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estudou o adoecimento dos trabalhadores e levanta a questão da aposentadoria por invalidez, que deve aumentar com a adoção de idade mínima de 65 anos, como quer o governo. Até 2050, considerando apenas o envelhecimento da força de trabalho, a inatividade por doença deve aumentar 181%. Se for levada em conta a entrada da mulher no mercado de trabalho — que adoece mais na velhice —, esse avanço sobe para 282%, de acordo com dados do também pesquisador do Ipea Marcelo Pessoa.

Governo quer estender período do estado de calamidade no Rio

• Projeto aprovado pela Alerj fixa o prazo, porém, até o fim de 2017

Selma Schmitt - O Globo

O Executivo considera apertado o prazo de 31 de dezembro de 2017 fixado por emenda ao projeto de lei que reconhece o estado de calamidade pública no âmbito da administração financeira, aprovado na última terça-feira pela Assembleia Legislativa (Alerj), após acordo fechado durante reunião do Colégio de Líderes da Casa. Segundo fonte do Palácio Guanabara, o governo quer negociar com os deputados a prorrogação desse prazo, porque acredita que dificilmente o Rio superará a crise financeira até o fim do ano que vem. O secretário estadual da Fazenda, Gustavo Barbosa, já disse que 2017 será um ano ainda mais difícil, mesmo que todas as medidas propostas pelo estado sejam implementadas.

Na reunião do Colégio de Líderes, os porta-vozes do governo propuseram aos parlamentares estender a calamidade até 31 de dezembro do 2018. Participaram da reunião quatro secretários estaduais: Leonardo Espíndola, da Casa Civil; Affonso Monnerat, do Governo; Francisco Pinto, do Planejamento; e Gustavo Barbosa. Líderes da própria base governista não concordaram.

Reflexões amargas - Fernando Henrique Cardoso *

- O Estado de S. Paulo

• Cabe ao PSDB responder à vitória reafirmando o social e se opondo às ondas reacionárias

Há poucos dias, em Lisboa, assustei-me vendo o noticiário da TV. Surgiu na tela um porta-aviões russo deslizando nas costas europeias, cercado por navios patrulheiros. Que mal haveria, pensei depois, em mostrar o garbo de um navio russo? Nada e tudo. Fossem normais os dias e seria tão banal quanto ver o desfilar de um porta-aviões da armada americana cercado por poderosos navios protetores. Por que, então, o susto? Porque as coisas estão mudando, há cada vez mais riscos e medos no ar.

Passadas décadas do estabelecimento de relações diplomáticas entre a China comunista e os Estados Unidos (pasmem! sob Nixon e Kissinger), em meados dos anos 70, e do fim da União Soviética, no inicio dos anos 90, damo-nos conta do que esses fatos significaram: a Pax Americana. Terá ela chegado ao fim? Pode ser. Os russos, com sua ingerência na Síria, tentam forçar o Ocidente a dar-se conta de que, por mais que seu poderio bélico haja diminuído, ainda são uma potência atômica. Os novos tzares dão-se ao luxo de ocupar a Crimeia e de ameaçar a Ucrânia sem que a Otan, ou quem seja, limite suas aspirações restauradoras do que historicamente pertenceu à Rússia.

Um pouco de quixotismo não faz mal a ninguém - Luiz Werneck Vianna *

• Afinal, em todos os quadrantes, hoje não se cultua o Cavaleiro da Triste Figura?

- O Estado de S. Paulo

Não dá para recusar: por mais desalentadora que tenha sido essa eleição com tantas abstenções, votos em branco ou nulos, ela estabeleceu um marco divisório na política brasileira. Não certamente pelo advento de novas narrativas que trouxessem alento para uma sociedade incerta dos seus caminhos quanto a seu futuro, menos ainda pelo surgimento de novas identidades coletivas ou de personagens que semeassem palavras de esperança, que nos faltaram. Mas, se ela não nos traz o novo, enterra um passado que nos tem pesado como chumbo, nesse longo ciclo errático que vai de Vargas a Lula-Dilma, em que temos sido prisioneiros do processo de modernização por cima que nos trouxe ao mundo com seu culto à estatolatria – do Império de um visconde do Uruguai à República com a linhagem que se inicia com Oliveira Vianna.

Se agora tateamos com o olhar perdido na longínqua sucessão presidencial de 2018, não foi por falta de avisos. Tanto os pequenos abalos que passaram a agitar a superfície da cena política quanto o grande movimento sísmico das jornadas de junho de 2013 não nos serviram para uma incontornável mudança de rumos. Fizeram-se ouvidos moucos a eles, com a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição no ano seguinte àquelas jornadas de multidões em protesto contra a política tal qual a praticamos, sustentando em campanha eleitoral – em que prometera “fazer o diabo” para vencer – os mesmos rumos malsinados do seu primeiro governo.

Entendo o povão, mas é difícil explicar a atitude dos intelectuais de esquerda – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Cada dia que passa me convenço mais de que, sobretudo quando se trata de política, as pessoas, em geral, têm dificuldade de aceitar a realidade se ela contraria suas convicções.

Recentemente, durante um almoço, ouvi, perplexo, afirmações destituídas de qualquer vínculo efetivo com a realidade dos fatos. Minha perplexidade foi crescendo tanto que, após tentar mostrar o despropósito do que afirmavam, fingi que necessitava ir ao banheiro e não voltei mais ao tal papo furado.

Não resta dúvida de que, até certo ponto, essa dificuldade de aceitar a realidade decorre do momento que estamos vivendo, tanto no Brasil como no mundo em geral.

Tem-se a impressão de que atravessamos um período de mudanças radicais quando os valores, sejam ideológicos, econômicos ou éticos, entram em crise.

Para lá do fim do mundo - Fernando Gabeira

- O Globo

• Os que usaram caixa dois consideram a prática tão corriqueira que querem uma espécie de anistia

Saiu a delação de Marcelo Odebrecht e seus 75 executivos. Trezentos novos casos de corrupção devem inundar o noticiário. Os políticos a chamam de delação do fim do mundo. O próprio Sérgio Moro teria comentado: espero que o Brasil sobreviva. Sobreviverá. Olho Lisboa da janela do avião. Em 1775 houve um terremoto, seguido de uma tsunami e um grande incêndio. A cidade lá embaixo está linda e ensolarada. Não será nada fácil. Como não deve ter sido para os contemporâneos do Marquês de Pombal enfrentar tantas calamidades em série. Não é possível começar do zero, vamos ser governados por mortos e feridos. Um cenário que parece ter saído daquela série americana “Black mirror”, cheia de histórias que projetam um sinistro futuro a partir das tendências do presente. Teremos enfermarias de caixa dois, propinas, achaques, chantagens, formação de quadrilha e lavagem do dinheiro.

Poderemos usar os mortos recolhendo todos os seus posts no Facebook, discursos antigos, confissões, com essa base de dados simularemos suas respostas à nova situação. Os que usaram caixa dois consideram a prática tão normal e corriqueira que inclusive querem uma alta da enfermaria, uma espécie de anistia. Afinal, dizem eles, caixa dois existe desde Cabral (Pedro Álvares). Se todos forem punidos, será preciso reescrever a História do Brasil.

O tsunami está chegando - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

• É hora de delações da Odebrecht e de Lava Jato, não de brincar com fogo

Na superfície, o Congresso discute a PEC dos gastos e as eleições para as presidências de Câmara e Senado e para as lideranças de blocos e partidos. Nas profundezas, sofre, sem saber (e sem ter) o que fazer, diante do tsunami que começa nesta segunda-feira, 7 de novembro: a meia centena de delações da Odebrecht sobre as relações promíscuas com o mundo político.

Para agilizar os trabalhos e ir logo ao ponto, a sistemática mudou. Os 50 delatores vão apresentar amanhã suas revelações por escrito, depois serão chamados para confirmar o que escreveram e a força-tarefa da Lava Jato pretende ter a homologação das delações da Odebrecht em mãos até 20 de dezembro, quando o Judiciário entra em recesso. Aliás, o Congresso também, por volta da mesma data.

Educação para o trabalho - Merval Pereira

- O Globo

As mudanças no mercado de trabalho devido às novas tecnologias estão exigindo uma educação mais longa e, sobretudo, o aprendizado constante. Essas mudanças, e a necessidade de o padrão educacional brasileiro não apenas melhorar, mas sobretudo se adequar aos novos tempos, foram analisadas no recente ciclo de debates da Academia Brasileira de Letras, coordenado pela escritora Ana Maria Machado.

O sociólogo José Pastore, um dos maiores especialistas do assunto no país, diz que o mercado de trabalho hoje “está atrás de pessoas que saibam transformar informação em conhecimento”. Esse aprender contínuo, ressalta Pastore, nenhuma escola pode oferecer. “O ser humano antes tinha seu tempo dividido entre o trabalho e o lazer. Hoje, no mundo do trabalho, pede-se que se divida o tempo em três partes: trabalho, lazer e aprendizagem continuada”.

Memórias do Calabouço - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• Não é justo que uma minoria radicalizada, ocupando as escolas, impeça 270 mil estudantes de fazer as provas do Enem

A comida do Restaurante Central dos Estudantes, no Calabouço, Centro do Rio, era ruim, mas quem tinha indigestão com o prato feito de 50 centavos era o governo militar. Com a União Nacional dos Estudantes (UNE) na clandestinidade desde o golpe de 1964, o restaurante era o quartel-general das lutas estudantis. Funcionavam no local um teatro, uma policlínica e a sede da União Metropolitana de Estudantes (UME). Dez mil jovens frequentavam o restaurante, muitos vindos do interior, a maioria vestibulandos que mal tinham onde cair mortos. Habitavam a Casa dos Estudantes e pensões baratas nos velhos sobrados do Catete, Glória, Lapa, Estácio, Saúde e Gamboa, na decadente região central da cidade.

Após o incêndio da UNE, na Praia do Flamengo, restara o local como reduto estudantil. Fora reaberto pelos militares, que fecharam a policlínica e controlavam o acesso. Mesmo assim, seu enorme salão era tomado por grandes assembleias. Em 1967, o fechamento foi anunciado para dar lugar ao trevo de acesso às pistas do Aterro e, principalmente, ao Aeroporto Santos Dumont.

Para apaziguar os estudantes, o então governador da Guanabara, Negrão de Lima (PTB), eleito pela oposição, propôs a construção de um novo restaurante perto do local. Mas os estudantes não aceitaram. O principal protesto foi comer sem pagar em outros locais. O chamado “pendura” infernizou a vida dos “portugas” que controlavam a maioria dos restaurantes do centro da cidade. Em 28 de março de 1968, porém, a Polícia Militar, comandada pelo Exército, invadiu o Calabouço para abortar uma passeata. O secundarista paraense Edson Luiz, 17 anos, era um dos jovens frequentadores do local e morreu com uma bala no coração.

Na lei e na marra - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

• Veto aos réus na Presidência forçará Congresso a mudar critério de escolha do comando

A posição da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal de proibir que réus em ações penais ocupem a Presidência da República em substituição ao titular e/ou ao vice vai muito além do hipotético efeito imediato sobre Renan Calheiros, atual presidente do Senado, e os presidentes da Câmara e do STF, um dos possíveis ocupantes temporários da chefia da Nação.

A decisão é da maior relevância, pois forçosamente mudará a dinâmica da escolha do comando no Congresso. A menos que suas excelências queiram correr o risco de passar de novo pelo episódio do afastamento de um presidente. Prejuízo a ser compartilhado por todos. Fichas sujas ou limpas.

Eleição de derrota e pouca vitória - Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

No ritmo desembestado da ruína política e econômica do Brasil, a eleição que terminou na semana passada começa a parecer meio distante. As certezas sobre o que aconteceu também.

Com a exceção da ruína estrepitosa do PT, o teor de várias das "mensagens das urnas" ainda parece escrito na areia.
A ideia de que a "direita venceu" precisa ser matizada. Não houve avanços de partidos "de direita" tais como aqueles das cavalgadas petistas do início do século.

Mais difícil ainda dizer que o eleitorado se direitizou. Como, aliás, tivesse se esquerdizado: basta ver a virada de votos de Dilma-2012 para João Doria (PSDB) em São Paulo e Marcelo Crivella (PRB) no Rio.

A tese de que a fragmentação partidária aumentou é mais ou menos verdade a depender da perspectiva ou do foco.

A festa da anistia do caixa dois - Elio Gaspari

- O Globo

Estão na reta final os entendimentos destinados a produzir uma anistia do caixa dois dos políticos. No século XXI, arma-se algo parecido com a impunidade oferecida no XIX aos traficantes de escravos. A manobra já foi tentada uma vez no escurinho do Congresso, mas fracassou. Desta vez, ela renasceu com várias acrobacias, quase todas destinadas a inocentar os malfeitores com indulgências plenárias. Algo tipo: todo mundo-faz ou não-mexe-nisso-que a-casa-cai. Como escreveu Fernando Henrique Cardoso em 1996, quando o Banco Central capturou uma pasta com a contabilidade eleitoral da banca: “Essa gente está brincando com fogo”. Se tivessem brincado com fogo naquela época, o incêndio não teria chegado às proporções a que chegou.

Aquilo que se denomina caixa dois junta num só balaio dezenas de práticas e delitos diferentes na origem, no volume e no propósito. Por exemplo: um empresário quer doar R$ 50 mil a um candidato, não quer aparecer, faz uma gambiarra fiscal, e o beneficiado gasta o dinheiro em sua campanha. Outro empresário doa R$ 100 mil, mas o candidato gasta só metade na campanha. A outra metade vai para a reforma do seu sítio. Um terceiro gasta tudo no sítio.

Cenário de recuperação lenta está consolidado - Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Na segunda-feira passada (31), o Ibre apresentou o cenário macroeconômico para 2016 e 2017. Nenhuma grande novidade. O crescimento deste ano, após um terceiro trimestre pouco pior do que imaginávamos, foi revisto de -3,2% para -3,4%. Para 2017, mantivemos a previsão de leve crescimento de 0,6%.

Consolida-se o cenário de recuperação lenta. Muito diferente das três últimas recuperações cíclicas, em 2000, 2004 e 2010, quando, após os difíceis anos de 1999, 2003 e 2009, a economia reagiu e cresceu, respectivamente, 4,3%, 5,7% e 7,5%.

No Ibre, temos acompanhado diversos sinais qualitativos que sugerem que a retomada após a atual crise -que se iniciou no segundo trimestre de 2014 e, aparentemente, terminará no primeiro trimestre de 2017- será mais parecida com a crise da dívida externa dos anos 1980.

Glioblastoma Multiforme - Monica de Bolle

- O Estado de S. Paulo

Em trecho de “Como matar a Borboleta-Azul”, escrevo: “A mente humana não gosta de narrativas inacabadas. É preciso ter um fim, uma conclusão. Chegar a algum lugar, ao menos para que as peças se encaixem e possamos dizer ‘Ah, agora faz algum sentido’, mesmo que insatisfatório ou inaceitável”.

Você gosta de desafios? Entende opiniões contrárias às suas? Sabe navegar ambiguidades? Tem a capacidade de apreender posições políticas diferentes das suas, visões de mundo que divergem de seus princípios? Note os verbos empregados nas perguntas: “entender” e “apreender” não significam “aceitar”, ou mudar aquilo que você pensa estar mais próximo da sua verdade pessoal. “Entender” significa transcender os seus preconceitos e certezas, ainda que por breve instante.

Incerteza. Todos nós já esbarramos nela, todos nós esbarraremos nela incontáveis vezes ao longo da vida. Incerteza não é risco, incerteza não se mede. Não há como atribuir probabilidades às incertezas, elas são os unknown unknowns, tudo aquilo que não sabemos que não sabemos. Conto uma história pessoal. Há muitos e muitos anos, quando era ainda adolescente, meu pai, forte, saudável, descobriu que dentro de sua cabeça crescia a morte. Estava ela enraizada ali havia meses, bem antes de ser diagnosticada e batizada com intragável nome: glioblastoma multiforme, o tumor do cérebro mais agressivo e cujas causas são absolutamente desconhecidas. Tinha ele 48 anos. Faleceu seis meses após a descoberta.

Reduzir a fragmentação partidária tem atraso de década – Editorial /O Globo

• A reforma política em debate no Senado pode resultar na redução no número de legendas, algo que já poderia ter acontecido no final da década de 90

Se o preço do avanço institucional é passar-se pelas mesmas experiências já malsucedidas de outras países, que assim seja. Caso típico é o da chamada “cláusula de desempenho”, para que partidos obtenham o índice mínimo de votos e possam ter representação nas Casas legislativas, acesso a fundos partidários, horário dito gratuito de rádio e TV etc. Já passou da hora de adotá-la, como já foi feito no exterior.

Caso tramite como se espera a proposta de emenda à Constituição (PEC) dos senadores tucanos Ricardo Ferraço (ES) e Aécio Neves (MG), o Brasil passará a ter um sistema minimamente razoável de filtro contra o excesso de legendas, com dez anos de atraso.

Regras como esta vigoram há muito tempo em democracias maduras. Foi na Alemanha que legisladores brasileiros se inspiraram para, em 1995, aprovar uma cláusula pela qual um partido para ter bancada no Congresso precisaria atrair pelo menos 5% dos votos nacionais, dados na escolha dos deputados federais, e no mínimo em nove estados, para barrar legendas preponderantemente regionais. Ficou estabelecido que ela entraria em vigor em dez anos.

Antes que seja tarde – Editorial/Folha de S. Paulo

Cientistas políticos costumam manifestar ceticismo diante de propostas de reforma eleitoral. Argumentam, e é difícil negar-lhes razão, que os congressistas não têm interesse genuíno em modificar as regras de que se beneficiaram.

E, no entanto, o Senado prepara-se para votar uma proposta de emenda à Constituição que promove duas mudanças significativas: institui uma cláusula de desempenho e decreta o fim das coligações em eleições proporcionais.

Ao que parece, o texto será aprovado pelos senadores. Depois, seguirá para a Câmara, onde os deputados tendem a levantar maior resistência. Ainda assim, há bons motivos para esperar que, desta vez, não deixarão tudo como está.

É que as normas em vigor começaram a incomodar parte dos políticos tradicionais. Os diversos estímulos à criação de legendas resultaram numa fragmentação partidária que dificulta a formação de blocos coesos e aumenta demais os custos da governabilidade.

Não anistiar nem devastar – Editorial/O Estado de S. Paulo

Inconformados com a frustrante noite de 19 de setembro – quando, por pouco, uma minoria na Câmara dos Deputados conseguiu sustar uma manobra para votar de última hora proposta de anistia aos adeptos do caixa 2 nas campanhas eleitorais –, políticos voltaram recentemente a se movimentar para obter perdão para esse crime eleitoral. Agora, a tentativa é incluir no pacote anticorrupção, em análise pela Câmara, uma brecha para anistiar os crimes de caixa 2 cometidos antes da aprovação da nova lei.

Essas tratativas são evidentemente imorais. Na articulação de setembro, tão clara era sua sordidez, que ninguém ousou assumir a sua autoria, como se a inclusão na pauta de votação tivesse ocorrido por geração espontânea.

Não há razão para conceder anistia a quem agiu deliberadamente contra a legislação eleitoral. Fechar os olhos às ilegalidades do passado em nada contribui para a lisura do futuro. Ao contrário, é um imerecido prêmio a quem deliberadamente desrespeitou as regras do jogo, o que só faz dar sobrevida à deplorável cultura da impunidade.

Chopp - Carlos Pena Filho

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.

Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.

Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.