quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A prática da lei - Míriam Leitão

- O Globo

A nomeação de um político como diretor de Itaipu foi uma afronta tão direta à nova lei das estatais que das duas uma: ou o governo não acredita ou não se informa sobre o que ele mesmo aprova. A saída para o evidente conflito foi dizer que, como Itaipu é binacional, para ela não vale as regras. Mas a Secretaria das Estatais está neste momento implantando a lei dentro das empresas públicas brasileiras.

Segundo o secretário das Estatais, Fernando Soares, o governo planeja privatizar distribuidoras estaduais de energia que ainda estão sob controle do capital estatal.

— Isso é parte da reestruturação das empresas públicas, que terá também o trabalho de implantação da Lei das Estatais com regras muito mais duras de governança e conformidade. Isso exigirá a mudança de estatuto das empresas e até o começo de 2018 o governo vai implantar o novo modelo no BNDES, Banco do Brasil, Petrobras e Eletrobrás que, em patrimônio, respondem por 80% das empresas públicas brasileiras — disse Soares.

A conversa com ele foi anterior à decisão comunicada pelo Planalto de nomear um político para Itaipu. Sobre a nomeação, o que a Sest disse é que o decreto que regulamentou a lei não inclui Itaipu. O problema é que o pilar central da nova lei é não haver integrantes de partidos políticos na direção das empresas. O nomeado para Itaipu, Rubens de Camargo Penteado, teve cargo recente de direção no PPS do Paraná.

O governo vai se desfazer de várias empresas, entre elas distribuidoras estaduais de energia. Estão sendo preparadas para serem vendidas a Amazonas Energia, Ceron, Eletroacre, Cepisa, Ceal e Boa Vista Energia. Além disso, o Ministério da Fazenda prepara a privatização da Lotex:

— As regras impedem a participação nos conselhos de administração de pessoas que integraram campanha política, políticos com cargo eletivo ou na estrutura de poder dos partidos, dirigentes de sindicatos. Isso ajudará a proteger as empresas dos desvios que aconteceram nos últimos anos. Há várias limitações também para quem ocupa cargo executivo nas empresas.

O professor do Insper Sérgio Lazzarini, que em seu livro “Capitalismo de laços” mostra como as diretorias de administração das estatais acabaram ocupadas por pessoas indicadas por grupos de interesse, acha válido esse esforço de modernização da gestão e dos conselhos das estatais:

— Ter regras mais rígidas de governança é um ponto positivo, mas o grande problema é a prática. Você endurece, e um governo cumpre, mas aí vêm as eleições e o outro não cumpre. Fizemos um seminário e sugerimos pequenas mudanças, mas a lei foi muito mais ampla e virou um monstro. Ter regras muito duras pode afastar bons executivos, mas esse é sempre um dilema clássico. Não há mágica nem bala de prata.

Lazzarini acha que um grande avanço é impedir ministros de ocuparem cargos nos conselhos das empresas, para evitar que sejam usadas para fazer políticas públicas:

— A Petrobras vinha bem até a hora em que Dilma, como ministra das Minas e Energia, passou a comandar o conselho. Tirar essa influência é muito positivo.

Para se enquadrar na nova lei, foi criado um formulário com inúmeras perguntas e exigências. Já houve caso de pessoa indicada que, ao ler o formulário, desistiu de integrar o conselho de empresas.

O economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, também acha que será um avanço ter a implantação das regras que foram aprovadas no Congresso:

— É claro que as medidas não são à prova de problemas, mas é muito melhor o país dificultar do que facilitar a influência política nas empresas.

Pela nova lei tem que haver um comitê de auditoria, a remuneração dos dirigentes será divulgada, as empresas precisam apresentar contas trimestrais e divulgar atas do conselho. Fernando Soares disse que o trabalho agora está sendo o de “internalizar” todas essas novas normas. Até meados do ano, o BNDES completará o esforço de mudança para se adaptar à nova lei.


No Brasil, sempre há uma exceção. E ontem o país ficou sabendo que o que vale para todas as estatais brasileiras não vale para Itaipu. O argumento de que é binacional não faz sentido algum. Pelo lado brasileiro tem que valer a lei do Brasil, ou Itaipu será gerida apenas com leis paraguaias?

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