segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Brincando com fogo - Ricardo Noblat

- O Globo

“O legado dele é que, não importa o custo, tu tens que fazer o que é certo fazer.” FRANCISCO ZAVASCKI, filho de Teori

“Qual dos poderes você mais respeita?” — perguntei na última sexta-feira aos 914 mil seguidores do meu blog no Twitter. Ofereci quatro alternativas de respostas. Computados 1.112 votos em 24 horas, eis os resultados: Congresso, 2%; governo federal, 2%; Justiça, 27%; nenhum deles, 69%. É sob esse clima de desconfiança geral que o menos desacreditado dos poderes reabrirá suas portas esta semana.

ESPERA-SE QUE a ministra Carmén Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), homologue até amanhã o acordo de delação premiada dos 77 executivos da Odebrecht. Era o que pretendia fazer o ministro Teori Zavascki, que morreu em um acidente de avião. Teori pretendia mais, segundo confidenciou a amigos: estava disposto também a quebrar o sigilo sobre o conteúdo da delação.

UMA SEGUNDA DECISÃO, igualmente importante, deverá ser tomada até a próxima semana pelos ministros do STF: a escolha do sucessor de Teori como relator dos processos da Lava-Jato. Espanta o viés tupiniquim de complicar o que é simples. Na era da velocidade e da eficiência, as coisas por aqui se tornam complexas, empacam ou se arrastam por muito mais tempo do que seria necessário.

O REGIMENTO INTERNO do STF oferece soluções para a substituição de um ministro que morreu ou renunciou ao cargo de repente. A primeira: espera-se a indicação de um novo ministro a ser feita pelo presidente da República e submetida à aprovação do Senado. Isso pode demorar ou não. Uma vez empossado, o novo ministro assume as tarefas daquele a quem sucedeu.
SE HÁ PRESSA, como é o caso, há uma segunda solução: qualquer um dos atuais ministros pode assumir em definitivo as tarefas de Teori. Para isso basta que um deles queira. E que o presidente da Corte o designe. Isso já aconteceu. Edson Fachin, por exemplo, quer. Os demais fingem que não. Ele é da 1ª Turma do tribunal, formada por cinco ministros. Passaria para a 2ª Turma, a que cuida da Lava-Jato.

A SAÍDA MAIS simples e mais lógica seria entregar a relatoria a qualquer um dos membros da 2ª Turma. Eles já estão enfronhados no assunto. Eles o conhecem muito bem. De resto, ao fim e ao cabo, o relator nada decide sozinho. Nem mesmo seus colegas de Turma. Tudo é submetido a voto no plenário onde 11 ministros têm assento.

MAS O HÁBITO de complicar o que não é complicado suscita falsas dúvidas do tipo: e se Gilmar Mendes, presidente da 2ª Turma, quiser, como parece, ser o relator? Gilmar, logo ele? Por inimigo do PT, não pode! Não pode também porque é amigo há mais de 30 anos do presidente Michel Temer, interessado no naufrágio da Lava-Jato. E por que não Celso de Mello, o decano do tribunal?

SUSSURRAM QUE ELE não quer. Está cansando. Só pensa em se aposentar. Mas a quem ele disse que não quer? Celso é o candidato in pectore de Carmén Lúcia. Se o relator fosse escolhido pelo voto popular, ele venceria com folga. Por que não Dias Toffoli? Deus me livre! O mundo viria a baixo. Toffoli foi do PT! Sobra Ricardo Lewandowski. Isola! Deve o cargo a dona Marisa Letícia, mulher de Lula.

QUER DIZER: Gilmar não pode porque tem horror ao PT. Toffoli não pode porque não tem. Ora, não cabe aos ministros julgar com isenção e equilíbrio? Se nenhum dos artigos do regimento interno do STF distingue entre ministros suspeitos ou insuspeitos de preferências políticas, por que não se sorteia o nome do novo relator da Lava-Jato? Por sinal, é o que manda o regimento.

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