quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Dois documentos que merecem leitura - Ribamar Oliveira

- Valor Econômico

• Aposentados terão direito a bônus de produtividade

Não perderá tempo quem se der ao trabalho de ler dois documentos oficiais, recentemente divulgados. O primeiro é a exposição de motivos da Medida Provisória 765, editada pelo presidente Michel Temer no dia 29 de dezembro do ano passado. O outro é a apresentação do resultado do Tesouro Nacional de novembro, feita pela secretária Ana Paula Vescovi. Os dois apresentam aspectos reveladores da estrutura de remuneração dos servidores federais, ativos e inativos.

A MP 765 promoveu a recomposição remuneratória de oito categorias de servidores, mudanças de diversas gratificações e criação de dois bônus de eficiência e produtividade para a atividade tributária e aduaneira e para a atividade de auditoria-fiscal do Trabalho, entre outras medidas. O objetivo dos bônus é "incrementar a produtividade" de auditores e analistas tributários, aumentando assim a arrecadação federal.

A penúltima página da exposição de motivos informa o custo para os contribuintes da recomposição remuneratória, que atingiu 29.394 servidores ativos e 38.755 aposentados e pensionistas, com um total de 68.149 beneficiários. Ela resultará em uma despesa total adicional para os cofres públicos, no período de dezembro do ano passado ao fim de 2019, de R$ 10,913 bilhões, de acordo com a exposição de motivos. Isto dá um custo médio adicional de R$ 160,1 mil por beneficiário, no período.

A média, como sabem muito bem os estatísticos, nem sempre é uma boa medida. A recomposição promovida na carreira tributária e aduaneira e a criação do bônus de eficiência e produtividade para os auditores e analistas da Receita, a ser concedido a partir de agora, resultarão em uma despesa adicional de R$ 8,297 bilhões no mesmo período. A MP informa que as medidas atingem 45.095 pessoas, sendo 18.090 servidores ativos e 27.003 aposentados e instituidores de pensão. A despesa adicional média será, portanto, de R$ 183,9 mil por beneficiário, no período.

Os reajustes dados aos policiais civis dos extintos territórios federais (Acre, Amapá, Rondônia e Roraima), que ainda são pagos pela União, foram significativos, variando de 35% a 53%, quando se compara a remuneração prevista para janeiro de 2019 com aquela que estava em vigor em janeiro de 2015. Um escrivão de polícia civil passará de R$ 13,7 mil para R$ 18,6 mil. Um delegado de polícia civil passará de R$ 22,8 mil para R$ 30,9 mil.

Nada mais louvável que a criação de bônus para premiar a eficiência e a produtividade, pois sistemas de incentivos são adotados em quase todas as organizações no mundo. Mas eles precisam de metas muito bem definidas e avaliações frequentes e consistentes dos ganhos de produtividade obtidos.

Duas medidas adotadas pela MP, no entanto, fogem da racionalidade e da razoabilidade. Os auditores e analistas da Receita e os auditores-fiscais do Trabalho aposentados ou seus pensionistas também terão direito a ganhar o bônus de eficiência e produtividade. O contribuinte, que paga a conta, deve estar se perguntando qual é a razão para que um benefício que está diretamente relacionado com a atuação de servidores na ativa possa ser estendido a quem já deixou de trabalhar ou, até mesmo, aos pensionistas de quem já morreu.

A questão é essencial, pois existem mais aposentados e pensionistas na Receita do que servidores na ativa. Assim, o custo que se terá com o bônus de eficiência e produtividade aumenta consideravelmente. É importante observar que a MP 765 criou uma espécie de "escadinha", de forma que o valor do bônus vai sendo reduzido de acordo com o tempo de aposentadoria do servidor, ficando em 35% depois do nono ano.

Em resposta a questionamento feito pelo Valor, a Receita Federal, por meio de sua assessoria de imprensa, argumentou que "inúmeras vezes o auto de infração devidamente constituído somente é pago em data bem posterior à data de sua constituição". Dessa forma, acrescentou a Receita, "ao estender o Bônus de eficiência a servidores que não estejam em atividade, está-se tão somente atribuindo valor ao seu trabalho no período em que estava trabalhando". A Receita observou ainda que "também os servidores inativos da advocacia pública federal (AGU, PGFN e outros) recebem honorários sucumbenciais ainda que estejam na inatividade".

Outra medida que foge da razoabilidade é o pagamento de bônus, "a título de antecipação de cumprimento de metas", no valor de R$ 7,5 mil para os auditores e de R$ 4,5 mil para os analistas tributários em dezembro. Ou seja, o benefício foi concedido antes mesmo que tenha sido estabelecida a metodologia de mensuração da produtividade e as metas a serem alcançadas. Questionado sobre essa questão pelo Valor, o Ministério do Planejamento informou que "o acordo negociado com os servidores (Auditor e Analista), previa a efetivação do Bônus a partir do mês de agosto/2016, logo foi mantido o acordado".

Fontes do governo deram outra explicação para o uso do mecanismo do "bônus" para os auditores e analistas. A alternativa a ele seria a concessão de um aumento maior, o que teria repercussão integral sobre os inativos, com uma despesa mais elevada para os cofres públicos. Como os valores dos bônus não são integralmente repassados aos aposentados e pensionistas, a despesa do Tesouro será menor. A questão é que o benefício do bônus é estendido a aposentados e pensionistas no momento em que o governo Temer apresenta uma dura proposta de reforma da Previdência à sociedade.

O outro documento oficial que merece leitura - a apresentação feita pela secretária do Tesouro Ana Paula Vescovi - mostra, pela primeira vez, dados detalhados sobre o déficit do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS). Para 2016, a estimativa do governo é de um déficit de R$ 71,8 bilhões para um total de 973.707 aposentados e pensionistas. Isto significa que cada um está custando, em média, R$ 73,7 mil por ano aos contribuintes. O déficit previsto para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que protege 26.808.834 aposentados e pensionistas da iniciativa privada, é de R$ 152,7 bilhões. Ou seja, cada um deles está custando, em média, R$ 5,7 mil por ano para os contribuintes. Os números falam por si.

Nenhum comentário: