quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Mestres polivalentes – Editorial | Folha de S. Paulo

O ensino médio brasileiro sofre de inúmeros problemas, e não faltam estatísticas para medi-los. O Censo Escolar do Inep (órgão do Ministério da Educação) tem sido fonte copiosa de dados reveladores, tais como o despreparo dos docentespara lecionar suas disciplinas.

Informações do recenseamento de 2015 tabuladas pelo Movimento Todos pela Educação indicam que 46% dos 494 mil professores no ensino médio nas escolas públicas e privadas ensinam pelo menos uma matéria na qual não dispõem de formação específica.

A maior parte desse contingente (32% do total) só ministra aulas de disciplinas para as quais não tem o devido preparo; os demais (14% do total) se dividem entre áreas em que se titularam e pelo menos uma matéria na qual não têm expertise.

Costuma-se destacar o deficit no número de mestres nas classes de matemática e ciências (física, química e biologia), mas a realidade é mais complicada. O censo revela quadros melhores em biologia (69% de professores com formação adequada) e matemática (68%) do que em sociologia (12%), filosofia (23%) e artes (26%).

Igualmente grave se mostra o estado do ensino de física (27%), cujas aulas com frequência são comandadas por professores de matemática. Apesar da afinidade entre essas disciplinas, poucos docentes serão polivalentes o bastante para dar explicações satisfatórias em campos como ótica, cinemática e eletromagnetismo.

A hipótese padrão para a deficiência está na desvalorização da carreira. O fato de professores de educação básica (ensinos fundamental e médio) auferirem salários até 39% inferiores aos de outros profissionais com diploma de nível superior decerto desempenha um papel, mas não esclarece a enorme discrepância entre as disciplinas.

Sem conseguir resolver até aqui o problema do deficit geral de formação específica, o país enfrentará doravante a dificuldade adicional posta pela flexibilização do ensino médio estipulada em medida provisória que tramita no Congresso.

A reforma preconiza que as escolas explorem mais as grandes áreas de conhecimento, com projetos de ciências naturais, humanas ou linguagens, entre outras.

À primeira vista, a versatilidade atual dos docentes pode parecer vantajosa, mas é provável que a ênfase multidisciplinar acabe por revelar despreparo ainda maior.

O desafio, portanto, é triplo: formar melhor novos professores, reciclar os que estão na ativa e prover os dois contingentes com os instrumentos didáticos para levar seus alunos a transitar com sucesso entre os campos do conhecimento —tudo isso sem aumentar a confusão reinante na educação nacional.

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