quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Opinião do dia - António Guerreiro

A ideia de uma sociedade líquida ganhou assim o poder de dar uma configuração à nossa época, tal como Bauman a vê: uma época caracterizada pelo triunfo da fluidez, do precário, do transitório, do permeável e do que não se deixa apreender com segurança. Para ele, esta é a condição da sociedade em que vivemos, em todas as suas dimensões, tanto estruturais como super-estruturais, tanto no plano material e económico, como no plano da vida afectiva e intelectual. De certo modo, Bauman, fazendo da noção de liquidez um instrumento de diagnóstico do nosso tempo (e retomando assim a tradição dos diagnósticos sociológicos, à maneira de Simmel), transpôs para a nossa época um princípio semelhante àquele que tinha sido enunciado por Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista: “tudo o que é sólido dissolve-se no ar”. Nesta pespectiva, a sociedade líquida e tudo aquilo que lhe corresponde (incluindo as manifestações dos sentimentos) dão uma configuração total à nossa época: ela abarca fenómenos tão diferentes como o consumismo, a imigração, a globalização, o desmoronamento das ideologias. E é porventura essa vontade de explicação total que torna a tese de Baumann tão atractiva para um público leigo, mas ao mesmo tempo tão suspeita para os sociólogos.
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António Guerreiro, jornalista e ensaísta português. ‘Morreu Zygmunt Bauman, o teórico da sociedade líquida’, jornal português Público, 9/1/2017.

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