terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Risco real - Míriam Leitão

- O Globo

No primeiro dia de governo, o presidente Donald Trump visitou a CIA e lá disse que “os jornalistas são as pessoas mais desonestas do mundo”. Ouviram-se aplausos na sala. Mas esse tipo de declaração não é perigo real. Ele pode ofender, torcer os fatos, mandar o porta-voz reiterar os ataques, cassar a palavra de repórteres em entrevista, mas nada disso tira a força da Primeira Emenda.

No segundo dia, ele anunciou a saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica, mas isso também já se esperava, e não chega a perturbar a economia mundial os EUA saírem de um acordo que ainda não está em vigor.

Trump, contudo, representa risco real em muitos pontos. Apesar de ter dito que limitará a ação de lobistas em Washington, ele nomeou lobistas do petróleo e pessoas que negam as mudanças climáticas para os departamentos de Estado e de Energia e para a Agência de Proteção Ambiental. O setor está cercado de pessoas que regularão em favor das emissões de gases de efeito estufa. Isso é um risco real.

Ele tem ameaçado as empresas que têm planos de se instalar em outros países, principalmente no México. Na cerimônia de posse, disse que é preciso comprar produtos e contratar trabalhadores americanos. Trump teve sucesso com a Ford, mas não teve com outras companhias que continuam com sua produção descentralizada.

O protecionismo é um risco real, mas é bom separar o que é bravata e o que de fato são decisões que podem levar ao encolhimento do comércio e ao aumento dos conflitos entre países. Se a economia continuar crescendo, as importações tendem a subir, em vez de diminuir. E se tiver sucesso no objetivo de reduzir importações, através de tarifas altas, ele pode dificultar a produção americana.

Trump assume com a economia crescendo 3,5% (último trimestre de 2016) e o desemprego em apenas 4,6%, lembrou em artigo recente o economista Joseph Stiglitz, ao contrário de Barack Obama, que enfrentou a herança de crise. Segundo Stiglitz, se ele seguir a linha do governo de Ronald Reagan, de corte nos impostos, como prometeu, pode ampliar o déficit americano. É o temor também do economista Kenneth Rogoff. Ele define como um mito a ideia de que o governo conservador é austero e leva ao equilíbrio fiscal, e o governo progressista necessariamente é adepto da tese de que existe almoço grátis.

O perigo real ocorre quando, segundo ele, um partido tem firme controle do governo. O Partido Republicano tem maioria nas duas Casas. “A expectativa é que a administração do presidente Donald Trump, conservador ou não, faça uso agressivo de déficits do orçamento para sustentar suas prioridades em impostos e gastos”, escreveu Rogoff.

O risco real de Trump é o desconhecido. De governos conservadores, como foram os dos Bush ou Reagan, já se conhece o roteiro. Trump é da espécie populista de direita. Seu discurso de posse mostrou isso quando ele atacou todos os governos antes dele e disse que iria “reconstruir” a América. 

A cara de desagrado, diante do que ele falava, foi do republicano George W. Bush, e não de Barack Obama. O teor inteiro do pronunciamento confirmou essa fala inicial de que os governos passados destruíram a economia, e agora ele, e o povo, vão construir o futuro. Como é ter, nos Estados Unidos, um populista de direita, ultranacionalista, e com uma visão autoritária sobre seus poderes na economia? É isso que o mundo está para descobrir. Ele tem se distanciado das ideias dos próprios republicanos. O populismo é intervencionista por natureza, que é o oposto do que os republicanos sempre defenderam.

Na área da energia e meio ambiente, Trump pode fazer um estrago adotando a regulação que favoreça o combustível fóssil. O secretário de Estado, Rex Tillerson, ex-CEO da Exxon, na sabatina, disse que não acredita que mudança climática seja uma farsa, contrariando a posição do chefe. O secretário de Energia, Rick Perry, é amigo do carvão e do petróleo. A Agência de Proteção Ambiental será dirigida por Scott Pruitt, que pode desmontar a regulação ambiental. Como procurador-geral de Oklahoma, ele processou várias vezes a agência que agora dirige associado às indústrias de energia fóssil. Nem toda ameaça de Trump se cumprirá, mas há pontos nos quais ele é um perigo real de retrocesso e conflito.

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