segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A roupa íntima- Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense, 19/2/2017

Talvez o fato de as sessões do Supremo serem transmitidas ao vivo tenha influenciado o comportamento dos ministros da Corte, que debatem publicamente suas divergências sobre a Lava-Jato

Quando as coisas não funcionam como deveriam na democracia, o único jeito é recorrer à Justiça. O problema no Brasil é que quase tudo está sendo “judicializado”, das partidas de futebol às nomeações de ministros, da venda de remédios às votações no Congresso. Por causa da briga ocorrida no domingo passado depois do clássico entre Botafogo e Flamengo, no Estádio Nilton Santos, o Engenhão, por exemplo, o campeonato carioca foi “judicializado”. No confronto, um torcedor foi morto e sete foram hospitalizados. Na sexta-feira, o juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte decidiu que as partidas de futebol entre Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo passarão a ser realizadas com torcida única, determinando que “os réus, incontinenti, se abstenham de comercializar ingressos para a torcida adversária do clube que tenha comando de jogo nos clássicos regionais, sendo autorizada a comercialização de ingressos apenas para a torcida do time mandante do jogo”.

O outro lado da moeda é a situação da Polícia Militar no Espírito Santo, onde a crise não dá sinais de arrefecer. Já são 1.151 policiais a responder a inquéritos internos por “risco a disciplina” e por “dano a sociedade ou a corporação” durante o motim da PM, que ainda não acabou, embora muitos dos 10 mil policiais militares do estado já tenham voltado ao trabalho. As mulheres, porém, continuam bloqueando os quarteis, movimento que se estende a outros estados. Tropas do Exército, da Marinha e da Guarda Nacional permanecem no estado para evitar os assassinatos, saques e roubos que marcaram os primeiros dias da greve. O assunto foi judicializado, mas não houve decisão de liberar os quarteis “manu militari”.

Também na sexta-feira, o PSol entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do ministro Celso de Mello, que manteve a nomeação de Moreira Franco para o comando da Secretaria-Geral da Presidência. O secretário especial da Presidência para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) passou a ter status de ministro e obteve foro privilegiado, ou seja, o direito a ser processado somente no STF e a ser investigado somente com autorização do tribunal, fora da alçada do juiz Sérgio Moro, de Curitiba. Celso de Mello, em liminar, não acolheu o argumento de que houve desvio de finalidade na nomeação e de que Moreira foi “blindado” ao ganhar o status de ministro.

Em circunstâncias normais, uma liminar do decano da Corte, respeitadíssimo pelos pares, seria suficiente para desencorajar qualquer contestação, mas não é isso que ocorre. Os velhos consensos no Supremo Tribunal Federal (STF) deixaram de existir faz tempo e parece que, na Corte, se instalou também uma disputa política aberta. Novo relator da Operação Lava-Jato no STF, o ministro Luiz Édson Fachin anunciou que tem uma posição “crítica” em relação ao foro privilegiado – o direito de autoridades e políticos serem julgados em instâncias superiores. “Eu, já de muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano, que é o programa normativo que está na base da Constituição brasileira”, afirmou.

Roupa íntima
O assunto voltará com tudo ao debate no Supremo por outra razão: o ministro Luís Roberto Barroso, na quinta-feira, enviou ao plenário uma ação penal contra o prefeito de Cabo Frio, Marquinhos Mendes (PMDB-RJ), acusado de comprar votos em 2008, na qual deve ser discutida a restrição do foro privilegiado para deputados federais e senadores. Como, posteriormente, o ex-prefeito assumiu o mandato de deputado federal, o caso subiu ao STF. “Se o fato imputado, por exemplo, foi praticado anteriormente à investidura no mandato de parlamentar federal, não se justificaria a atribuição de competência ao STF”, defende Barroso. O processo, porém, precisa ser pautado pela presidente do Supremo, Cármen Lúcia.

A tese de Fachin é de que o STF pode restringir o instituto ou entender que eventuais mudanças só devem ser realizadas pelo Congresso. “O debate será se a interpretação constitucional pode cobrir essa alteração ou se isso dependerá de alteração legislativa e portanto mudança legislativa. Eu, na Corte de modo geral, tenho me inclinado por uma posição de maior contenção do tribunal, mas nós vamos examinar a proposta e, no momento certo, vamos debater”, disse.

É mais um ministro a polemizar publicamente sobre a decisão de um colega. O fato de as pessoas utilizarem a internet com muita frequência antes de dormir ou acordar acabou contaminando a linguagem dos e-mail e redes sociais, o que os especialistas chama de “teoria da roupa íntima”. As consequências vêm depois, quando os comentários vazam. Talvez o fato de as sessões do Supremo serem transmitidas ao vivo tenha influenciado o comportamento dos ministros da Corte, que hoje debatem publicamente suas divergências sobre a Lava-Jato e outros assuntos de grande repercussão política muito mais nas entrevistas do que nos autos dos processos. Os julgamentos dos políticos, porém, andam a passos de cágado.

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