terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Até quarta-feira de cinzas - Luiz Carlos Azedo

- (Publicado no Correio Braziliense em 26 de fevereiro de 2017)

Temer não pode ser ser investigado, mas a eventual comprovação do uso de caixa dois na sua campanha pode ter consequências gravíssima no TSE

A licença do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, às vésperas do carnaval, na sequência do desembarque de José Serra do Ministérios das Relações Exteriores, ambos para tratamento de saúde, mesmo sem grandes especulações políticas, mostra que o governo Temer sofre de dois males: o peso da idade da equipe, que começa a neutralizar a experiência, e uma certa “somatização” da Operação Lava-Jato.

A substituição de Alexandre de Moraes por Osmar Serraglio (PMDB-PR) na Justiça aumentou a média de idade do governo, embora não faça parte dos vetores que alimentam a somatização da equipe pela Lava-Jato. Temer tem a oportunidade de mexer na equipe e tentar renová-la, para manter o Palácio do Planalto à distância mais segura da Lava-Jato. O carnaval, de certa forma, ajuda o governo a ganhar tempo e minimizar o desgaste com a saída dos ministros mais importantes do PMDB e do PSDB do governo, o eixo da aliança que dá sustentação a Temer.

Padilha se afastou após o advogado José Yunes, amigo e ex-assessor especial do presidente Michel Temer, afirmar em depoimento ao Ministério Público Federal que recebeu um envelope em 2014 a pedido do ministro. Segundo ele, o envelope foi deixado em seu escritório por Lúcio Funaro, doleiro ligado ao ex-deputado Eduardo Cunha, que está preso em Curitiba

A Presidência negou envolvimento de Temer com dinheiro de caixa dois: “Michel Temer pediu auxílio formal e oficial à Construtora Norberto Odebrecht. Não autorizou, nem solicitou que nada fosse feito sem amparo nas regras da Lei Eleitoral. A Odebrecht doou R$ 11,3 milhões ao PMDB em 2014. ” Temer foi citado na delação premiada do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho, segundo o qual o escritório de Yunes foi usado para repasse de dinheiro ao PMDB Eliseu Padilha.

Os pagamentos ao PMDB teriam sido acertados em uma reunião no Palácio do Jaburu do qual participaram Marcelo Odebrecht, Temer e Padilha, que ficou responsável por receber e alocar R$ 4 milhões. Na quinta-feira, Yunes acertou Padilha: confirmou que recebeu o envelope de Funaro em seu escritório, mas disse não ter imaginado que houvesse dinheiro dentro dele. “Seria uma descortesia e até falta de ética” violar a correspondência. Melo Filho disse ter levado ao escritório de Yunes, a pedido de Padilha, parte do dinheiro ao PMDB que foi acertado em jantar no Palácio do Jaburu, do qual participaram também o próprio Temer. Dos R$ 10 milhões que seriam doados, R$ 4 milhões ficariam sob responsabilidade de Padilha.

Saúde
Mesmo que realmente tenha se licenciado para tratar de uma obstrução urinária provocada por uma hiperplasia prostática benigna, a saída de Padilha foi associada à Lava-Jato. Pode até voltar ao Palácio do Planalto, mas isso aumentará a fragilidade do governo, ainda mais porque as contas de campanha de Dilma Rousseff e Michel Temer ainda estão por ser julgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Não há risco de Temer ser investigado pela Operação Lava-Jato, pois está blindado pela Constituição, mas a comprovação do uso de caixa dois na sua campanha pode ter consequências gravíssima no TSE. A estratégia que adotou é separar suas contas da de Dilma; a confirmação de Yunes pode inviabilizá-la.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve abrir um inquérito para investigar o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Será enviado ao Supremo Tribunal Federal após a quarta-feira de cinzas. Outros ministros estão na alça de mira.
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O caso de José Serra, que decidiu voltar para o Senado, também tem a ver com a idade e a somatização da Lava-Jato. Deixou a equipe de governo porque não consegue viajar sem tomar anestesia, em razão das fortes dores na coluna, recém operada. Um ministro de Relações Exteriores tem obrigação de viajar. Mas a leitura política que se faz é de que deixou o cargo para fazer política mais à vontade. Isso pode representar uma estratégia de mais independência em relação ao governo Temer. Ou uma posição mais segura para quando vier o tsunami da Odebrecht.

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