terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Desemprego e inflação de serviços – José Márcio Camargo

- O Estado de S. Paulo

O mercado de trabalho brasileiro é caracterizado por uma flexibilidade perversa

Após quase dois anos de recessão e desemprego de dois dígitos, a taxa de inflação de serviços finalmente mostrou forte tendência de queda a partir do quarto trimestre de 2016. Por que a demora e por que é necessário um desemprego tão elevado para que os preços dos serviços desacelerem?

Uma das características dos servi-ços é que eles são, em geral, consumidos no mesmo lugar onde são produzidos. Uma sessão de cinema, um jantar num restaurante, uma corrida de Uber, por exemplo. A taxa de inflação desses bens depende da oferta e da procura interna por eles. Se a oferta é maior que a demanda, os preços caem, e vice-versa. Como a maior parte da cesta de consumo das pessoas é composta de serviços, reduzir sua inflação é fundamental.

Um aumento da taxa de juros encarece o crédito e, portanto, reduz a demanda e a oferta de bens e serviços. O resultado é um aumento do desemprego. Se a taxa de desemprego aumenta, a demanda por serviços cai, por dois motivos: a perda total de renda dos trabalhadores que ficam desempregados e a diminuição dos salários reais daqueles que permanecem empregados. Quanto maior o efeito do desemprego sobre o salário real dos trabalhadores empregados, menor o número de desempregados necessário para reduzir a taxa de inflação de serviços.

A legislação trabalhista brasileira dificulta a redução dos salários nominais, o que somente pode ser feito via negociação coletiva. Caso não cheguem a um acordo, empresários e trabalhadores podem recorrer unilateralmente à Justiça do Trabalho, pedindo um dissídio. Isso gera dois problemas: primeiro, a tradição na Justiça do Trabalho é conceder o reajuste com base na inflação dos 12 meses anteriores, o que gera um aumento dos salários reais dos trabalhadores que ficaram empregados, quando a inflação cai; segundo, torna as empresas lenientes no processo de negociação pois, caso endureçam, o sindicato recorre à Justiça do Trabalho.

Por outro lado, desde que a empresa pague o custo de demissão, qualquer trabalhador pode ser demitido, sem restrição legal. Como não conseguem reduzir os salários, as empresas reagem à queda de demanda demitindo trabalhadores. Aos primeiros sinais de queda de demanda, elas reduzem a folha de salários demitindo trabalhadores e recontratando outros por um salário menor (rotatividade). Quando a queda de demanda se consolida, a empresa reduz o número de trabalhadores. Com o aumento do desemprego, a demanda cai com mais força que a oferta e a inflação de serviços arrefece. Este é um processo lento e demorado, e é necessário mais de um ano e uma elevada taxa de desemprego para que a política monetária tenha efeitos significativos sobre a taxa de inflação de serviços.

O mercado de trabalho brasileiro é caracterizado por uma flexibilidade perversa. O ajuste se dá principalmente via rotatividade e pouco via queda do salário real dos trabalhadores que permanecem empregados. A taxa de desemprego necessária para atingir o objetivo é bastante elevada. Daí a necessidade de uma reforma da legislação que torne mais fácil o ajuste via redução dos salários reais dos trabalhadores que permanecem empregados.

Uma alternativa simples seria somente permitir o pedido de dissídio se ambas as partes concordarem. Isso valorizaria a negociação coletiva, evitaria a indexação dos salários nominais à inflação passada e facilitaria a redução dos salários reais dos trabalhadores que permanecem empregados. Diminuiria o tempo de ajuste e a taxa de desemprego necessária para levar a taxa de inflação de serviços para o nível desejado, com consequente ganho de bem-estar para todos.

* Professor do departamento de economia da PUC/Rio, é economista da Opus Gestão de Recursos

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