terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Novo censo escolar ressalta os desafios da reforma do ensino – Editorial | Valor Econômico

Por uma dessas coincidências nem sempre felizes, exatamente no dia em que o presidente Michel Temer sancionou a reforma do ensino médio, na semana passada, foi divulgado o Censo Escolar 2016. O censo pinta um retrato que evidencia como será difícil implementar as mudanças pretendidas e o quanto outras metas traçadas estão ficando para trás, explicando porque a educação ainda está tão longe do ideal.

Uma das principais mudanças introduzidas pela reforma do ensino médio tem como alvo o currículo, que precisava mesmo de uma boa atualização após os 20 anos de idade da reforma anterior. Apesar da resistência inicial por ter sido apresentada como Medida Provisória, a reforma incorporou propostas de mudanças e acabou sendo assimilada. Algumas das 13 disciplinas obrigatórias terão peso menor e poderão ser distribuídas de forma diferente. Português, matemática e inglês serão as únicas obrigatórias nos três anos. Filosofia, sociologia, artes e educação física também são obrigatórias, mas entram no currículo como conteúdo e poderão ser ministradas em outras disciplinas.

O detalhamento vai depender da formulação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deve ser concluída neste ano. O currículo comum vai compor 60% do aprendizado dos estudantes; e os outros 40% serão destinados a conteúdos de Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Matemática, Linguagens ou Educação Profissional, de acordo com a escolha dos alunos, que somam cerca de 8 milhões em novas matrículas a cada ano.

A reforma prevê o aumento progressivo da carga horária do ensino médio, das atuais 800 horas por ano para 1 mil horas, até chegar a 1,4 mil horas anuais, o equivalente a cerca de sete horas diárias, ou seja, o ensino integral. Há interesse pela oferta de cursos em período integral e o Censo de 2016 mostra que essa meta será um grande desafio. Apenas 6,4% dos estudantes do ensino médio têm aula em período integral atualmente, número que vem crescendo e estava em 5,9% em 2015. A meta é dobrar essas vagas nos próximos três anos. Se as matrículas no ensino médio aumentaram 0,7% em 2016, para 8,1 milhões, 3,2% a menos do que os 8,4 milhões de 2011, a demanda pelas classes em período integral avançou 8,6%.

O Censo 2016 também expõe as deficiências físicas para um ensino em período integral de qualidade mínima. Hoje, apenas 57,4% das escolas têm laboratório de ciências; 82%, quadra de esportes; 89,5%, laboratório de informática; 91,2%, biblioteca ou sala de leitura; e 96,5% acesso à internet.

Um dos pilares da reforma do ensino médio, a educação profissional, registrou redução de 3,1% de matrículas, de 1,91 milhão em 2015 para 1,85 milhão em 2016, puxada pela queda de 12,5% nas redes privadas, parcialmente compensada pelo aumento de 5,1% nas escolas públicas. Uma das razões é a redução de 59% do orçamento do Pronatec, programa governamental de apoio ao ensino profissional.

A nova lei prevê que o governo federal financie as redes de ensino sob responsabilidade dos Estados para ampliar a oferta de aulas em período integral. Mas há o receio de que se repita o que houve com o programa Mais Educação, que visava incentivar o ensino integral no ciclo fundamental. Com o Mais Educação virtualmente paralisado em 2015 e 2016 pela crise fiscal, as matrículas no ensino fundamental em tempo integral despencaram 46% no ano passado e o percentual de alunos nessas classes caiu de 16,7% para 9,1%, o menor patamar desde 2012.

As deficiências físicas não deixam de influenciar o desempenho dos estudantes, embora não sejam as únicas razões. A evasão é elevada entre os alunos do ensino médio e um em cada quatro deles estão com atraso escolar superior a dois anos. A taxa de aprovação é de 81,7% dos alunos, inferior aos 85,7% dos alunos dos anos finais do ensino fundamental e de 93,2% dos anos iniciais.

Há especialistas que minimizam a preocupação com essa etapa do ensino, argumentando ser mais eficiente cuidar da educação dos mais jovens. Naercio Menezes Filho defendeu que investir em políticas públicas corretas na infância e nas escolas públicas "faria com que o Estado gastasse bem menos depois, quando essas crianças se tornam jovens, adultos e idosos" ( Valor, 7/2). A realidade é que, quando as deficiências são muitas, como é o caso da educação no Brasil, fica difícil eleger prioridades e tudo parece importante.

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