domingo, 26 de fevereiro de 2017

Partidos europeus formam frente contra a extrema-direita

Progressistas se unem para frear radicais em ano de eleições em França, Holanda e Alemanha

Graça Magalhães-Ruether | O Globo

BERLIM - Assustados e surpresos com a ascensão da extrema-direita, partidos progressistas começaram a reagir e a formar alianças para tentar frear seu avanço na Europa, num ano em que franceses, holandeses e alemães vão às urnas escolher seus próximos governantes. A estratégia de contra-ataque é pragmática e inclui até a aproximação com legendas de centro — todos reunidos, entre outros motivos, no intuito de preservar a União Europeia do ataque dos populistas de direita..

Na França, o abalo provocado por Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN), uma forte candidata nas eleições de abril à Presidência, já fez com que François Bayrou, três vezes candidato ao Palácio do Eliseu, desistisse da corrida na quartafeira passada. O veterano presidente do partido centrista Movimento Democrata declarou seu apoio ao independente Emmanuel Macron, justificado com a alegação de que o país corre “um risco extremo” que necessita de “respostas excepcionais”. Segundo o político verde Daniel CohnBendit, que vive entre a França e a Alemanha, o único candidato com condições de evitar a “catástrofe europeia”, como descreve uma vitória de Le Pen, seria Macron, ex-ministro da Economia.

— Macron é o político que tem mais chances de frear os populistas. Em um segundo turno, ele se uniria ao candidato socialista (Benoit Hamon) — prevê Cohn-Bendit.

Toda a Europa acompanha com suspense o que vai acontecer na Holanda no próximo dia 15. Uma frente foi formada contra Geert Wilders, do Partido da Liberdade (PVV), um candidato antimuçulmano, anti-imigrante e anti-União Europeia. Para o cientista político Maurice de Hond, Wilders será o mais votado, mas isso não é garantia de que possa formar o governo. O premier Marc Rutte, do partido conservador liberal VVD, já adiantou que não aceitaria uma aliança com a extrema-direita. Depois da queda dramática do entusiasmo dos holandeses pela UE, Rutte é, porém, apenas um espectador do sucesso do líder populista que compara o Alcorão ao livro de Hitler “Mein Kampf "

TEMOR DE REAÇÃO EM CADEIA
Com poucas chances, mas decididos a salvar a UE dos radicais, o GroenLinks (Verde Esquerda), de Jesse Klaver, está disposto a se unir aos liberais do D66 para frear Wilders. Se o “Trump holandês”, como é conhecido, ganhar, há o risco de uma reação em cadeia, temem analistas políticos. E se Le Pen for eleita na França, os dois países poderiam declarar sua saída da UE, uma decisão que provocaria graves consequências em todo o bloco e poderia atingir o euro.

Em toda a Europa são traçados cenários para evitar o terremoto, que não se restringe a França e Holanda. A esquerda alemã vai se unir nas eleições do dia 24 de setembro contra dois adversários: a extrema-direita e Angela Merkel. Para tirar a chanceler federal do governo, depois de quase 12 anos, o Partido Social Democrata (SPD) lançou Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu, que tenta formar uma aliança de três partidos progressistas unindo SPD, os ex-comunistas e os verdes. O outro objetivo é barrar o crescimento do Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita. Para isso, Schulz já começou a adotar um estilo bem mais progressista do que tinha Gerhard Schröder, ex-chanceler federal e colega de partido. Ele já antecipou que vai rever o programa de cortes sociais de Schröder, a Agenda 2010.

Na tentativa de frear radicais, os partidos europeus têm como modelo Bélgica e Suécia, onde a experiência de grandes alianças já começou a funcionar, incluindo o centro. Depois que os populistas dos Democratas Suecos (SD) galoparam nas pesquisas, alcançando 20% das previsões de votos, os dois principais blocos — do Partido Social Democrata com o Verde, de governo, e o conservador (formado por quatro partidos) — fecharam um acordo para que a aliança mais votada possa formar o governo, mesmo sem ter maioria. Nesse cenário, o atual governo “vermelho/verde” (social-democrata/ verdes) é tolerado pela aliança conservadora. Trata-se da primeira ação do gênero.

Na Bélgica, que tem um cenário bastante complexo devido à divisão das agremiações entre as regiões de idioma francês e holandês, a ameaça da extrema-direita também vem sendo evitada por meio de alianças. O bloco conservador do primeiro-ministro Charles Michel — democracia cristã, liberais e nacional-democratas (CD&V,N-VA e VLD) —e o progressista Partido do Trabalho (PTB), atualmente de oposição, conseguiram frear o avanço de Vlaams Belang, separatista e de extrema-direita.

Mas a cientista política belga Chantal Mouffle, professora de Teoria Política da Universidade de Westminster, em Londres, defende que só é possível combater o inimigo, o populismo da extrema-direita, usando a mesma arma.

— Precisamos de um populismo da esquerda para salvar a Europa da ameaça da extrema-direita — diz a analista, que considera o populismo um instrumento da democracia.

Na França, Macron parece ser a concretização da teoria de Chantal. Jovem, bonito e carismático, o “Kennedy do Sena”, que registra um aumento de popularidade, tornou-se a principal arma para evitar uma presidente Le Pen, depois do desgaste do candidato do partido Os Republicanos, François Fillon, e da letargia dos socialistas, um legado deixado pela impopularidade de François Hollande.

A cientista política afirma que esse populismo como arma de contra-ataque pode ser visto também no Syriza, do premier grego, Alexis Tsipras, ou no Podemos, de Pablo Iglesias, na Espanha. Já na Itália, outra nação que pode contribuir para a perspectiva sombria de “desmoronamento da UE”, como receia Sigmar Gabriel, ex-presidente do SPD e ministro das Relações Exteriores, o populismo é quase exclusivo da extrema-direita, da Liga Norte — ou do Movimento Cinco Estrelas de Bepe Grillo.

OPOSIÇÃO ESTÁ ENFRAQUECIDA
Oskar Niedermeyer, da Universidade de Berlim, lembra que a extrema-direita encontra chances de crescer quando os partidos democráticos deixam de ser vistos como uma opção.

— Os conservadores e os social-democratas perderam os seus contornos ideológicos — critica.

Também no Leste Europeu, partidos começaram a adotar uma política mais agressiva contra populistas. Depois de quase dez anos de governo de Viktor Orbán, os socialistas húngaros vão tentar derrubá-lo nas eleições do próximo ano. Mas o cientista político Peter Kreko, de Budapeste, afirma que a oposição continua fraca e que Orbán precisa temer mais a ameaça que vem da sua direita: — 

Na Hungria, aliança progressista não avançou. Orban pode ser ultrapassado pelo partido Jobbik, ainda mais conservador, que nos últimos meses tenta se livrar da imagem de racista.

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