segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Quem sobrará... - Ricardo Noblat

- O Globo

“Viva Lula. Viva o PT. Viva a corrupção.” João Doria, prefeito de São Paulo, em resposta aos que o hostilizaram no carnaval.

A história contada pelo primeiro amigo, o advogado José Yunes, parceiro do presidente Michel Temer há mais de 40 anos, tem começo, meio e fim, mas não resiste a meia dúzia de perguntas inocentes. Tudo indica que foi concebida para livrá-lo de maiores encrencas com a Lava-Jato, blindar Temer e oferecer uma saída honrosa para Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República.

POR ORA, PADILHA deixou o cargo para tratar da saúde ameaçada por um tumor na próstata. Imagina voltar ao governo no próximo dia 6. Se o fizer não será sozinho. Com ele, a Lava-Jato entrará de vez no Palácio do Planalto e se instalará a poucos metros do gabinete de Temer. Haverá situação mais incômoda para um presidente carente de popularidade e com uma agenda repleta de graves problemas?

NA PRIMEIRA OCASIÃO, Eliseu Padilha se verá constrangido pela pergunta sobre o conteúdo do pacote que pediu a Yunes para receber e que depois mandou buscar no escritório dele em São Paulo. Era um pacote com certa espessura, segundo Yunes, e que lhe foi entregue pelo doleiro Lúcio Funaro, operador de negócios do ex-deputado Eduardo Cunha. Hoje, Funaro está preso em Brasília e Cunha, em Curitiba.

YUNES FOI CITADO na delação de executivos da Odebrecht. O tal pacote conteria parte dos R$ 10 milhões pedidos por Temer a Marcelo Odebrecht, na época presidente da empresa, para financiar campanhas do PMDB em 2014. Temer pediu o dinheiro, mas, segundo ele, de acordo com a lei. Na delação, consta que foi dinheiro de propina, registrado na contabilidade oculta da Odebrecht. Yunes conta que não sabe quem foi buscar o pacote.

A ACREDITAR-SE NO que ele disse, é curioso que Yunes jamais tenha conversado com Padilha sobre o pacote. Não o fez “por uma questão de ética”, justificou-se. Mais curioso que tenha informado a Temer há dois anos sobre o que se passara. Extraordinariamente curioso é o fato narrado por Yunes de que Temer não tivesse, até a semana passada, procurado Padilha para se informar a respeito.

HÁ MAIS FUROS nessa história do que numa peneira. Por que Padilha pediria a Funaro para deixar um pacote com dinheiro ou com qualquer outra coisa no escritório de Yunes se Yunes, conforme jura, não conhecia Funaro e nunca arrecadou dinheiro para o PMDB? Por que a Odebrecht, dispondo de meios para fazer entregas em qualquer lugar do país, se valeria de Funaro e de Yunes para repassar dinheiro a Padilha?

QUE AMIGO DA onça, Yunes! Antes mesmo da quebra do sigilo que cerca a delação da Odebrecht, antecipou-se a uma futura convocação, bateu na porta da Procuradoria-Geral da República e deixou perplexos os que se dispuseram a ouvi-lo. Quis salvar a própria pele. Estragou a pele de Padilha em um momento de extrema fragilidade dele. E ensombreceu o destino de Temer e do governo. Logo agora.

LOGO QUANDO O ministro da Fazenda havia anunciado o fim da recessão. Logo quando o governo reunia indicações de que o pior ficou para trás. Logo quando Temer mais precisava de Padilha para aprovar a reforma da Previdência. Até aqui, Temer perdeu oito ministros da sua equipe original. Do chamado núcleo duro do governo, só resta Moreira Franco.

COM O FIM DO carnaval, os próximos três a quatro meses serão de forte turbulência com prisões de políticos e condenações que só esperam a assinatura do juiz Sérgio Moro (alô, alô, Lula!). A questão principal não é quem será atingido. Mas quem sobrará.

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