segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Triângulo de Ferro - Fernando Limongi

- Valor Econômico

• Punir, ainda que necessário, é insuficiente

Até o momento, a Lava-Jato não gerou um debate consequente sobre as causas da corrupção. Tome-se como exemplo a Petrobras, considerada por muito tempo uma ilha de excelência, prova de sucesso da política de insulamento burocrático e de proteção à sanha clientelista dos políticos. Como uma empresa com esta reputação se transformou em um balcão de negócios, capturada por e posta a serviço de empreiteiras e políticos? Custa crer que toda a responsabilidade caiba única e exclusivamente à incúria petista, à disposição de negociar cargos e sinecuras para obter vantagens e apoio politico.

Pedro Parente, indicado por Temer, ao assumir a presidência da Petrobras, após afirmar que a empresa fora posta a serviço de um "projeto de poder" orquestrado por uma verdadeira quadrilha, sacou da algibeira a solução: o fim das indicações políticas para a diretoria e outros cargos de comando. Nomeações sob seu comando somente com base na competência técnica. Se presidentes anteriores tivessem sido tão estritos e retos, nada do que a Lava-Jato vem revelando teria acontecido.

Não é o que as delações dos diretores da Petrobras apontam. Reconhecer tal fato não significa inocentar o PT ou incriminar o PSDB. Significa, tão somente, reconhecer que a corrupção tem causas institucionais e este é o debate que deve ser travado. O problema não se resume a quem nomeia e com base em que critérios. Em sua delação premiada, Paulo Roberto Costa explica que há limites para as promoções baseadas na competência e que, quando há muitos técnicos qualificados pretendendo ocupar o mesmo cargo, outros fatores passam a pesar. Para tornar mais claro seu argumento, afirma que na Petrobras ocorreria o mesmo que nas Forças Armadas, onde "por mais competente que seja o oficial, ele não ascende ao cargo de general sem a indicação pessoal".

A analogia pode não ser a mais adequada ou estar equivocada quanto ao que de fato se passa nas Forças Armadas, mas é suficiente para indicar que estamos diante de um problema geral que envolve carreiras profissionais e hierarquias de mando em estruturas burocráticas complexas. As garantias oferecidas por Pedro Parente são claramente insuficientes, posto que ancoradas em um poder discricionário concentrado no topo da hierarquia.

A solução do problema não reside na contraposição fácil entre capacitação técnica e política. O problema de fundo é a impossibilidade de se usar exclusivamente o critério técnico. Qual critério permitiria discriminar entre dois candidatos igualmente capacitados? Há problemas adicionais tão ou mais sérios. Como o responsável pela indicação reúne as informações necessárias para tomar sua decisão? As questões se multiplicam.

Mais importante do que quem nomeia e com que critérios, talvez, seja reformular o processo decisório, fazendo com que as decisões de gastos sejam tomadas de forma colegiada e transparente. A medida pode se revelar insuficiente, pois o problema maior pode estar do outro lado do balcão, no cartel formado pelas grandes empreiteiras, que, como aponta o mesmo Paulo Roberto Costa, alimenta o tripé que se beneficia com os desvios.

É preciso, portanto, tomar a sério o conteúdo das delações e usá-las para entender a mecânica que alimenta a corrupção, deslocando o debate do plano das responsabilidades pessoais (e, mesmo, partidárias) para o institucional.

A tarefa não é fácil, muito menos simples. Reformas institucionais nem sempre funcionam. Tapa-se um buraco aqui e ali reaparece outro. Tome-se como exemplo o processo orçamentário, completamente alterado em função das revelações feitas pela CPI do Orçamento. O processo foi reformado para evitar que a corrupção continuasse a correr pelos trilhos até então dominantes, a saber, a criação de dotações orçamentárias por meio de emendas parlamentares que beneficiavam obras que as empreiteiras queriam tocar. Os responsáveis diretos por estas emendas eram os "Anões do Orçamento", liderados pelo deputado João Alves.

O esquema foi denunciado, os políticos afastados e o processo orçamentário inteiramente revisado. Parlamentares perderam o poder de gerar despesas de vulto e, consequentemente, influência e atenções das empreiteiras. À primeira vista, está aí um exemplo de reforma institucional bem sucedida. Entretanto, lendo o depoimento bombástico de Claudio Melo Filho, aprende-se que, no frigir dos ovos, os resultados foram nulos. O processo orçamentário foi saneado, a corrupção, entretanto, mantida.

Como os parlamentares individuais perderam influência sobre os recursos que interessavam à empreiteira, esta se viu forçada a uma mudança radical na sua "forma de atuação estratégica". A Odebrecht passou a mirar, e a mimar, os novos "donos da obra", membros do Poder Executivo, em todas as esferas de governo, da União ao município, e parlamentares que "exercem forte liderança em seu partido e em seus pares". A empreiteira foi fiel à máxima: siga o dinheiro...

Reformas institucionais falham porque os afetados adaptam suas estratégias e, não raro, acabam encontrando formas de preservar seus interesses e vantagens. O exemplo mostra que punir políticos, ainda que necessário, está longe de ser suficiente. Os Anões do Orçamento foram trocados por atores encastelados noutros nichos de poder, como os líderes do PMDB no Senado (Romero Jucá, Renan Calheiros e Eunício Oliveira) e na Câmara (Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco), destacados por Claudio Melo Filho.

O tripé formado por empresas, burocratas e políticos se adapta e procura resistir às mudanças no ambiente institucional. Se serve de consolo, não é só no Brasil que o tripé se mostra inquebrantável. Nos Estados Unidos, por exemplo, atende pelo nome de 'triângulos de ferro'. Bancar a avestruz ou apedrejar vidraças alheias não vai adiantar muito, até porque os tais tripés não são de vidro.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

Nenhum comentário: