segunda-feira, 27 de março de 2017

À luz da História | Merval Pereira

- O Globo

Lava-Jato representa promessa de ruptura. A Operação Lava-Jato, que completou três anos, “é uma promessa de ruptura”, analisa o cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV do Rio, em trabalho publicado no mais recente boletim macro da Fundação Getúlio Vargas, sob o título “A Lava-Jato sob a luz da História”.

Ele destaca que “conciliação e a ruptura radical são padrões de mudança característicos da política brasileira”. A História nacional, segundo Oliveira Vianna, pode ser tanto um “museu de elites” como um cemitério destas, lembra Octávio Amorim Neto, o primeiro padrão associado a mais estabilidade e menos violência do que o segundo, porém, “ao preço de maior conservantismo”.

Para ele, a Lava-Jato, “a mais abrangente investigação de corrupção jamais vista no país, e que já levou à cadeia membros das elites política e empresarial, algo sem precedente no Brasil, é uma promessa de ruptura”.

Se todos os grandes partidos — isto é, PMDB, PT e PSDB — se virem duramente alvejados e forem decisivamente derrotados na eleição presidencial e nos pleitos parlamentares de 2018, e se houver uma renovação de mais de 3/4 do Congresso, “estaremos diante de um novo cemitério, o fim da classe política que assumiu o poder em 1985”.

Na verdade, muito do que se deseja da Lava-Jato deve ser ponderado, analisa Octavio Amorim Neto, por uma avaliação realista do(s) sentido(s) da história política brasileira. O primeiro fato fundamental a ser registrado é “a ausência de mudanças genuinamente revolucionárias em nossa História”.

O Brasil, lembra o cientista político da FGV Rio, jamais experimentou qualquer processo semelhante às grandes revoluções do mundo moderno e, “para nos cingirmos à nuestra América Latina, nunca tivemos nada semelhante à Revolução Mexicana de 1910”.

Ele dá vários exemplos de mudanças causadas por rupturas ou por conciliação na História do país, a partir da independência nacional, em 1822, que ele vê como “fruto muito mais de duras negociações com Portugal e a Grã-Bretanha do que de um verdadeiro levante nacional contra o jugo colonial lusitano”. Na metade do século XIX, o experimento político que viria a estabilizar o regime imperial foi precisamente chamado de “Gabinete de Conciliação” (1853-1856), chefiado pelo Marquês do Paraná.

O fim da Monarquia e a implantação da República, todavia, foram uma ruptura, fruto de um golpe de Estado que engendrou uma década de tempestades políticas e econômicas. A Revolução de 1930 foi outra ruptura que levaria a grandes transformações, mas ao preço de uma guerra civil (a chamada Revolução Constitucionalista de 1932) e do fim das liberdades políticas a partir do estabelecimento do Estado Novo em 1937.

Em 1945, o Estado Novo caiu pelas artes de um golpe militar sem sangue, que resultou na nossa primeira experiência democrática, o regime da Carta de 1946, sob o qual os insiders da Era Vargas — os interventores estaduais, o sindicalismo e as Forças Armadas — continuaram a ser integrantes fundamentais da classe política.

O regime militar iniciado em 1964 foi outra ruptura radical, uma vez que significou o rompimento do modo tradicional de intervenção “meramente” saneadora das Forças Armadas na política nacional. A classe política civil, que se organizara na segunda metade da década de 1940 em torno de PSD, UDN e PTB foi alijada do centro do poder. Mais uma vez, uma década de violência seguiuse à fundação da nova ordem política.

Contudo, a transição do regime militar para a democracia instaurada em 1985 foi feita de forma “lenta, gradual e segura”. Aqui a conciliação prevaleceu, sendo uma das principais bandeiras da candidatura presidencial vitoriosa de Tancredo Neves, em 1984.

Sob a primeira administração da Nova República, liderada por José Sarney, as Forças Armadas mantiveram ampla autonomia e várias prerrogativas. E, desde então, aqueles que haviam sido os sócios civis dos militares — organizados sob diversas siglas como ARENA, PSD, PFL e PP — têm tido um lugar não desprezível nas coalizões governativas.

O cientista político lembra que “amplos setores da opinião pública querem a ruptura que promete a Lava-Jato”, mas adverte que “a realidade poderá ser consideravelmente diferente”. Uma ruptura “poderá ser o alvorecer de um novo regime e de um novo modo de fazer política”. Mas a morte da atual classe política e do sistema partidário por ela organizado “poderá ser a antessala de uma década de grande instabilidade, a qual receberá muita ajuda de Trump, Brexit et caterva”.

Octavio Amorim Neto destaca que “essa transição pacífica e conciliatória está na raiz do mais longevo regime democrático que jamais teve o país”.

Nenhum comentário: